A esta altura, não será surpresa se o Flamengo voltar do Uruguai eliminado da Libertadores, daqui a pouco menos de uma semana. Também parece improvável o time cumprir a missão de descontar os oito pontos que o separam do Botafogo no Campeonato Brasileiro. E caso tudo isso ocorra, a noite de quinta-feira, a da derrota para o Peñarol no Maracanã, será talvez o dia mais recordado como o momento em que uma temporada promissora se encaminhou para um desfecho desapontador para os rubro-negros, pelo segundo ano consecutivo.
Vale a pena se deter no jogo, mas os terríveis 90 minutos do Flamengo são uma parte, ou talvez o produto final de uma receita complexa que conduziu o time a uma reta final de temporada que pode se tornar melancólica.
Quanto à partida, o gol do Peñarol chama atenção pelos problemas de recomposição defensiva. Eles existiram, mas não é simples olhar apenas para o que aconteceu sem a bola. Porque os problemas se originavam com ela. Diante de um rival fechado, o Flamengo acelerava o tempo todo, tinha pouca pausa, era afobado e pouco coordenado. Perdia bolas e, claro, se expunha.
É curioso como, desde o jogo com o Bahia, mas mais claramente a partir do clássico com o Vasco, Tite apostou muito fortemente num modelo bastante móvel no ataque. É algo que exige coordenação, mas Gonzalo Plata e Alex Sandro mal estrearam, Bruno Henrique vem atuando numa posição que não domina e o Flamengo tenta modificar sua forma de atacar em meio a profundas transformações no setor. Em muitos momentos, pareceu mais intuitivo do que coordenado em seus movimentos.
Até houve chances de mudar o placar, mas além das questões coletivas, sobraram atuações individualmente fracas: De La Cruz, Pulgar, Plata, Arrascaeta...
É justo que Tite tenha que lidar com críticas duras. A temporada tem poucos momentos em que o Flamengo se manteve perto do nível esperado e, no jogo com o Peñarol, algumas decisões não pareceram funcionar. Em dado momento, e diante da escassez de opções no meio-campo, a partida parecia pedir alguém com as características que Léo Ortiz vem mostrando, mas ele entrou a 20 minutos do fim.
Por outro lado, o trabalho de Tite e o campo são a face mais visível de um processo mais amplo. Desde o início do ano havia o alerta para o calendário, para a Copa América, para a sensação de um elenco curto em alguns setores. Faz pouco sentido o Flamengo chegar às quartas-de-final da Libertadores tendo em campo atletas que parecem ainda tentar entender onde estão, casos de Alex Sandro, Plata e Alcaraz. Os dois primeiros, aliás, vinham com poucos jogos recentes e ainda sentem a questão física. O clube retardou demais a ida ao mercado, trouxe quatro reforços quase no fechamento da janela, e agora paga o preço.
Por falar em mercado, Carlinhos não tem conseguido se mostrar à altura das ambições do clube. Poderia ser uma aposta, uma tentativa de desenvolver um jogador captado no mercado. Mas a partir do momento em que Tite estruturou a equipe em torno de um camisa 9 de área, estava clara a lacuna. E pior: parecia anunciado que, numa necessidade, Carlinhos seria lançado sob a sombra de uma questão muito mal gerida. Gabigol passou a ocupar um lugar estranhíssimo no dia-a-dia do Flamengo. O clube não parece mais querer tê-lo, foi incapaz de encontrar uma saída para ele, algo que se complicou em meio a processos de doping e controvérsias extracampo. Querido pela arquibancada, mesmo com mais de um ano sem exibir o futebol que a arquibancada ainda fantasiava ver, passou a vagar como uma espécie de assombração. Quanto mais ausente se tornava, mais presente parecia.
A temporada do Flamengo tem outros complicadores. A Copa América, com a perda de cinco titulares, parece o pontapé inicial para um período em que a comissão técnica deixa de construir um time e passa a apagar incêndios. Como o clube não se preparou para o período, a corda foi esticada para os jogadores que permaneceram, as lesões se multiplicaram e continuaram ocorrendo mesmo após o torneio de seleções. Afinal, havia outro ingrediente: mesmo em meio à escassez de opções, o clube decidira abraçar todas as competições, tarefa nunca antes realizada com sucesso no Brasil. A maratona se tornava insana.
Tite tentou ajustar o time com dois pontas, mas perdeu Cebolinha. Devolveu Gérson à direita e pôs Luiz Araújo na esquerda. Tentou o recém contratado Michael, que logo se lesionou. Enquanto isso, perdeu Pedro. Tentou adaptar Luiz Araújo como parceiro de Bruno Henrique no centro do ataque, mas com 15 minutos de clássico com o Vasco Luiz Araújo se machucou. Diante do Peñarol, não teve Viña, Gabigol, Luiz Araújo, Pedro, Cebolinha, Michael, embora os ausentes não fossem os únicos problemas. Arrascaeta, cercado de cuidados, não parece com 100% das condições, tampouco De La Cruz.
É justíssimo dizer que havia muitos motivos para esperar que a comissão técnica de Tite, tão qualificada, conseguisse fazer este elenco jogar melhor. No entanto, há muitas razões para concordar que o trabalho se tornou muito mais difícil do que o imaginado. Há responsabilidades para dividir, do campo aos gabinetes do clube. Ao menos, o ano não acabou. Agora, resta ao Flamengo tentar salvar a temporada e jogar melhor, mesmo entre lesões, problemas físicos e caras novas em busca de adaptação. Sem contar, é claro, duas eleições - uma municipal, outra no clube. No Flamengo atual, este nunca é um tema menor.