Comissão de Tite usou diferentes táticas contra altitude na Seleção; preparador do Flamengo explica

Antes do sorteio dos grupos da Libertadores, Rodolfo Landim e Marcos Braz torciam para que o Flamengo não enfrentasse adversários de cidades localizadas acima do nível do mar . Acabaram "premiados" com dois. Contra o Bolívar, em La Paz, os rubro-negros terão pela frente 3.600 metros de altitude. Já Bogotá, terra do Millonarios, fica sutilmente acima de 2.600 metros.

A diferença de 1.000 metros entre as capitais da Bolívia e da Colômbia é significativa e impacta de forma decisiva na preparação para as duas partidas. Para entender como isso funciona, o ge conversou com Fábio Mahseredjian, chefe da preparação física do Flamengo .

A última vez que Mahseredjian trabalhou em uma partida de futebol com altitude foi justamente em La Paz, palco do duelo entre Bolívar e Flamengo , marcado para 24 de abril, entre os importantes confrontos com Palmeiras (21/4, em São Paulo) e Botafogo (28/4, no Maracanã).

Tite em Bolivia x Brasil em La Paz em 2017 — Foto: Pedro Martins / MoWA Press

Com Tite e os outros integrantes da comissão técnica, o preparador esteve lá em 29 de março de 2022 para enfrentar a Bolívia, pela última rodada das eliminatórias da Copa do Mundo do Catar. A tradicional estratégia de chegar à cidade no dia do jogo deu muito certo, e o Brasil conseguiu a maior vitória da história dos confrontos em La Paz: 4 a 0.

A logística para os jogos no Estádio Hernando Siles, casa do Bolívar, é feita da seguinte forma. A delegação chega a Santa Cruz de la Sierra, localizada no nível do mar, no dia anterior à partida e por lá dorme. A ida para La Paz ocorre em cima do horário da partida, cerca de três horas antes, e o grupo fica lá por no máximo seis. Por quê? Mahseredjian explica.

- Não tem segredo, cara. Existem o que chamamos de "altas altitudes", que são altitudes acima de 3 mil. Nessas altitudes, não é que o ar seja rarefeito. É que quanto mais você sobe, menor é a densidade do ar. E, como a densidade do ar é menor, você diminui a PO2 alveolar, a pressão parcial de oxigênio no teu alvéolo. E que diminui assim a captação de oxigênio.

- Então, a altitude afeta o teu sistema de transporte de oxigênio, mas o mais importante são os efeitos agudos dessa exposição à altitude quando você sai do avião e você põe o pé para fora, a 3.600 metros, que é a altitude de La Paz. E no aeroporto é de até 4.000m. Você na hora começa a hiperventilar. O que é hiperventilar? Você fica ofegante sem perceber. Eu, que sou da área, percebo que estou ofegante. E todos os jogadores ficam ofegantes também. Isso desencadeia uma série de reações fisiológicas no teu organismo que demoram a aparecer.

Fábio Mahseredjian em Orlando x Flamengo — Foto: Marcelo Cortes/Flamengo

O preparador do Flamengo explica que a única maneira de se adaptar e minimizar os problemas causados pela altitude de 3.600m de La Paz é indo 15 dias antes para o palco da partida. Mas tal movimento, obviamente, é impossível. Então, o que motiva a chegada ao local horas antes do jogo, que vai totalmente na contramão da opção quinzenal? O tempo de manifestação das reações.

- Os sintomas a essas reações demoram aproximadamente seis horas a aparecer. Quais são esses sintomas? Dor de cabeça muito forte, náusea, ânsia de vômito, sangramento nasal. Você opta por chegar na hora do jogo somente por esse aspecto de sintomas que você tem da exposição aguda à altitude. Por quê? Fisicamente, você vai perder de qualquer forma. Você vai ter um decréscimo na potência e na capacidade aeróbica. Porque o seu sistema de transporte de oxigênio está afetado.

A importância de se voltar para casa quase que instantaneamente também se dá em respeito às seis horas em que os sintomas começam a aparecer. Com o Corinthians, em 2013, porém, Fábio Mahseredjian e a delegação corintiana não puderam voltar de pronto após o empate por 1 a 1. A falta de iluminação no aeroporto foi o motivo para seguirem em Oruro, onde a altitude é de quase 4.000 metros acima do nível do mar.

Tite orienta o COrinthians contra o San José no estádio Jesús Bermudez, em Oruro — Foto: AFP

- Eu lembro quando eu fui a Oruro em que nós fomos obrigados a dormir lá porque o aeroporto não tinha iluminação. Então nós tivemos que dormir lá, nós fomos obrigados a dormir lá. (O Corinthians sofreu?) Muito, é 4.000 mil, né? São 3.980 metros, acho. Sofreu bastante. Nós chegamos umas quatro horas antes do jogo e tivemos que pernoitar lá depois do jogo porque o aeroporto não tem iluminação. No dia seguinte, o doutor Guilherme Runco falou: "Fábio, foi a pior noite de trabalho da minha vida. Eu nunca trabalhei tanto. Jogador ligando o tempo todo falando: "Eu estou mal, estou com um enjoo, estou nauseado, sangrou meu nariz, dor de cabeça, poxa, faz alguma coisa...". Então sofre-se muito.

Fábio explica que a reação é muito individual. Paolo Guerrero, ex- Flamengo , ficou extenuado. Já o ex-meia Danilo, hoje técnico do sub-20 do Corinthians, levou numa boa.

- Agora as reações também são individuais. Tem atletas que sofrem mais, outros sofrem menos. Eu lembro que o Danilo não sentiu nada. Absolutamente nada. O Paolo Guerrero não estava aguentando mais. Ele teve que ser substituído. Esses sintomas em decorrência de você estar exposto à altitude de pessoa a pessoa.

Como citado no início da matéria, 1.000 metros fazem bastante diferença em relação à altitude. Se La Paz é pesado, Bogotá (2.600m) é mais tranquilo para atletas. Pelo fato de os jogadores terem reações bem mais amenas, os clubes sempre planejam pelo menos uma sessão de treinamento na capital colombiana para adequação à velocidade da bola.

Estádio El Campín, do Millonarios — Foto: Divulgação / Millonarios

O Flamengo jogará em Bogotá, contra o Millonarios, no dia 2, entre as duas finais do Carioca. A expectativa é de que os rubro-negros viajem no domingo e treinem na segunda-feira, véspera do jogo.

- Ah, dá para chegar (um dia antes). Normalmente costuma-se ir para treinar um dia antes lá. Então treinando um dia antes lá já é o suficiente. Eu já fui a Bogotá 850 mil vezes. Se você não fala para o jogador, ele nem sabe que tem atitude lá.

Com a Seleção, a comissão de Tite não chegou a jogar em Bogotá porque nas duas eliminatórias enfrentou a Colômbia em Barranquilla, no nível do mar. Mas Mahseredjian explica que o caso da capital boliviana é bem semelhante ao de Quito (2.800 metros), onde a preocupação é somente com a ambientação ao estilo de jogo e não a dores insuportáveis.

- A Quito você tem que ir antes, treina antes lá, você vai ter dor de cabeça lá? Vai. Lá são 2.800 metros, vai ter uma dorzinha de cabeça, vai incomodar um pouco. Mas por que você quer treinar antes lá? Por causa da velocidade da bola. Como a densidade do ar é menor, a bola fica muito mais rápida. Por isso que lá nas altas altitudes, lá em La Paz, os caras chutam de fora da área para caramba.

- E essa é a razão. Em Quito vai acontecer também? Vai, vai. Tanto que a gente sofre muito com bola parada nessas altas altitudes, né? Só que em Quito você suporta, você não vai ter sangramento nasal, você não vai ter náusea. Você vai ter uma dorzinha de cabeça que vai te incomodar. É só isso. Treinar lá, isso adaptava a velocidade da bola.

Fábio Mahseredjian, Cléber Xavier, Tite e Matheus Bachi — Foto: Gilvan de Souza e Marcelo Cortes/Flamengo

Apesar das inegáveis perdas físicas e de ter que encarar logísticas complexas para essa primeira fase da Libertadores, Fábio Mahseredjian, uma das peças-chave da comissão de Tite, sabe o caminho para vitórias com autoridade, como a do Brasil em 2022 contra a Bolívia.

- Futebol não é só aeróbio, é misto. O que faz diferença é você estar bem organizado e compacto. Você ficar com a posse, fazer a bola correr. E a parte técnica, né? Faz a diferença.

Cabeça de chave do Grupo E, o Flamengo está na mesma chave que Millonarios, da Colômbia; Bolívar, da Bolívia; e Palestino, do Chile. O Rubro-Negro, que busca do tetra da Libertadores, tem sua estreia marcada entre os dois jogos da final do Campeonato Carioca, contra o Nova Iguaçu.

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Fonte: Globo Esporte