Nos primeiros anos deste século, o futebol carioca flutuava entre times cheios de estrelas bancadas por dinheiro que logo se esgotava, dívidas crescentes, atrasos frequentes nos pagamentos dos jogadores, alguns rebaixamentos e títulos apenas esporádicos. Enquanto isso, São Paulo se consolidava como o grande centro do principal esporte do país. Era difícil pensar em um futuro no qual três campeões seguidos da Libertadores fossem do Rio de Janeiro. Mas, hoje, os cariocas conseguem olhar para o lado e ver os paulistas na mesma altura.
Explicar como os clubes do Rio encurtaram a distância para os paulistas passa por uma palavra: investimento. E isso não significa apenas injetar dinheiro em contratações de alto nível, que até podem dar resultado a curto prazo, mas não se sustentam por muito tempo em gestões combalidas por dívidas. A construção ou reformas recentes nos centros de treinamento de Flamengo , Fluminense e Botafogo ajudam a entender os últimos anos vitoriosos.
E elas são parte de um processo: o rubro-negro começou a virar o jogo ao sanear suas finanças. O alvinegro saiu da lama com a criação da SAF e a injeção de dinheiro de John Textor. E o tricolor, se ainda tem desafios, consegue usar a base de Xerém como dinheiro novo. O Vasco , que até o momento não conseguiu os resultados dos rivais, procura se reorganizar para chegar lá.
Em menos de uma década, os cariocas saíram de situações até cômicas — como os cavalos que tinham acesso ao Ninho do Urubu — para centros de treinamento de excelência, que permitem tirar o máximo de desempenho dos jogadores utilizando-se das mais recentes descobertas científicas e tecnológicas. E rivalizam com estruturas como a do Palmeiras , considerada uma das melhores do país.
— O São Paulo, nos anos 1990, foi o primeiro a montar uma estrutura física de excelência. Mas perdeu a capacidade de integração entre departamentos. Não vejo isso tão desenvolvido hoje lá e no Corinthians — analisa o fisiologista Altamiro Bottino, coordenador científico do Cuiabá e que participou do projeto do novo CT do Botafogo, inaugurado neste ano. — Um centro razoável custa uns R$20 milhões, e começa a dar resultado após um ano.
Além do investimento em infraestrutura, a principal transformação nos últimos anos foi a percepção de que a profissionalização do futebol também se faz com a integração de todas as áreas. Hoje, a palavra final não é apenas do técnico. Todas as decisões, desde a montagem de elenco ao time que entrará em campo, são tomadas após troca de informações entre os setores.
— O grande salto do Botafogo se deu no processo de gestão de dados, com a integração da fisiologia, do departamento médico e do scout. É a união da infraestrutura física com a qualificação pessoal — diz Bottino, acrescentando que o Brasil já exporta profissionais da área para centros europeus.
RODA NÃO PARA DE GIRAR
E os processos evoluem a cada ano. Quem não se atualiza tende a ficar para trás. Atualmente, até uma simples obturação mal feita pode atrapalhar o desempenho dentro de campo — algo que pode ser corrigido com acompanhamento odontológico constante. Ou a recuperação mais rápida de lesões musculares, com avaliações por imagem em movimento. Todos esses dados servem para direcionar o melhor tratamento e as condições diárias de cada atleta.
Até a logística entra no jogo. O calendário apertado, com mais de 70 partidas e muitas viagens, exige gastos em voos fretados ou diretos. Algumas horas a mais de descanso e recuperação nos CTs podem marcar a diferença entre ter ou não o atleta em campo em partidas decisivas. Flamengo e Botafogo usaram desse expediente nas Datas Fifa. É um caminho sem volta, segundo especialistas do ramo.
A mudança, ainda em andamento, não se limita a modernos centros de treinamento e equipamentos de última geração. Também envolve uma transformação cultural e comportamental no trato com os atletas. Jogadores com experiência fora do país não aceitam retornar ao Brasil apenas pelo caminhão de dinheiro. Eles já compreendem a necessidade da excelência em todos os aspectos. Os que não tiveram essa vivência, por outro lado, podem não se adaptar rapidamente às exigências.
— O Rio entendeu isso bem. Trabalhei aqui no final da década de 1990 e tinha muitas dificuldades. Os jogadores preferiam jogar em outros centros, como São Paulo. Hoje, vemos Thiago Silva voltando ao Fluminense pela questão sentimental, mas também por ter visto que não há mais aquela distância de antes. O clube tem uma grande estrutura para oferecer a ele — comenta Flavio Tenius, coordenador da preparação de goleiros do tricolor, que destaca a longevidade de Fábio, de 44 anos. — Ele tem o talento, mas conta com um estafe no clube integrado em todas as áreas para poder dar o suporte que o mantém no alto nível.
O tricolor é um exemplo da evolução estrutural dos cariocas nos últimos anos. A equipe profissional treinava na sede das Laranjeiras até novembro de 2016, quando o CT Carlos Castilho passou a receber os profissionais do futebol. Desde então, houve melhoria nas instalações de todos os departamentos, compra de equipamentos de última tecnologia e construção de três campos. O próximo passo promete ser grandioso: erguer uma área de hotelaria. O projeto está em fase final para receber a permissão da Prefeitura.
AÇÕES DE RECUPERAÇÃO
Apesar de terem visto a vantagem estrutural das últimas décadas diminuir, os paulistas têm se movimentado para não ficar para trás.
O São Paulo investiu em seus CTs. O da Barra Funda, dos profissionais, passou pela modernização de diversas áreas, inclusive do Reffis (Núcleo de Recuperação Esportiva Fisioterápica e Fisiológica). Já Cotia, da base, contou com a compra de novos aparelhos de preparação física e a criação do TecFut, um centro de excelência de ciência do esporte.
No CT Joaquim Grava, do Corinthians, as mudanças são mais tímidas. Há novas salas e equipamentos para otimizar o processo regenerativo dos jogadores depois das partidas, além de camas, para parte de hotelaria. O clube alvinegro pretende realizar mais melhorias em 2025, principalmente em tecnologia e na criação de um novo espaço para recuperação do elenco.