Cléber Xavier está no mercado. Depois de 24 anos ao lado de Tite, com muitos títulos e algumas frustrações e derrotas, Clebinho, como é mais conhecido, vai retomar carreira solo que começou na base dos dois grandes do Rio Grande do Sul.
Com o cuidado de não avançar o sinal e responder pelo antigo número 1 da comissão técnica a qual pertenceu com Tite, o "novo" treinador quebrou o silêncio sobre a Copa do Catar, em entrevista na quinta da semana passada para o Abre Aspas .
Até hoje quase um tabu em manifestações do ex-parceiro Tite, avesso a entrevistas e de poucas reflexões desde a queda para a Croácia. Também falou da demissão no Flamengo, refletiu sobre o futebol brasileiro e dois dos maiores expoentes dos últimos anos, Neymar e Vinicius Júnior.
ge: São 24 anos ao lado do Tite e agora uma nova etapa na carreira. Como foi essa decisão?
Cleber Xavier: — A minha carreira é de 36 anos, né? Foram 12 anos antes de encontrá-lo no Grêmio, depois 24 anos a partir do Grêmio e até agora no Flamengo. Mas eu já vinha trabalhando um pouco na minha cabeça (a decisão), conversando com algumas pessoas do meu círculo mais íntimo, a ideia de tomar essa decisão. Apareceu em várias oportunidades para que eu conseguisse uma carreira solo, mas os projetos que a gente entrava eram muito bons. É muito difícil na cultura brasileira tu trabalhar muito tempo nos lugares. E a gente ficou nos últimos 17 anos trabalhando dois anos no Inter, seis anos no Corinthians, seis anos e meio na seleção e um ano no Flamengo. Faltou alguns dias para completar um ano no Flamengo. Então, 17 anos em quatro clubes, na verdade três clubes e uma seleção.
— É difícil essa longevidade. E a gente conseguiu projetos bons. Então nunca aparecia o momento certo e a gente sempre conversando e eu me preparando para isso na hora que surgisse um determinado momento e acabou que a gente sempre que terminava os processos, o Tite deixava a gente a vontade e toda a comissão para seguir e fazer o seu caminho. E eu achei que agora era a hora. Eu estou com 60 anos, tenho muito para dar ainda ao futebol. Tenho muitas experiências, passagens com trabalhos em grandes clubes e resolvi entrar no mercado, formar uma equipe de trabalho, estou me preparando para a hora que surgir essa oportunidade a gente abraçar. E ele (Tite) aceitou numa boa. Achou que era a hora de eu tomar a frente, tomar as decisões, ter a última palavra, que eu estava preparado para isso. E aí foi a decisão.
A gente vive numa sociedade com boas doses de preconceitos relativos à idade num país que de uns tempos pra cá criou certa ansiedade pelo surgimento de jovens treinadores. Essa decisão aos 60 anos te fez prever obstáculos também?
— Eu não me sinto com 60 anos (risos), me sinto com energia. Me sinto ativo. Tenho na minha parceria que eu busco, que é o Vinícius, um menino que foi auxiliar técnico do Corinthians na base durante muitos anos e é um menino que também que tem um bom conteúdo, que tem muito boa oratória, que tem uma ativação muito forte para controle de treino, para trabalho e a gente fazer essa parceria com outros membros que possam formar esse time se assim for necessário. Porque a princípio a minha ideia sou eu e o Vinícius. Então me sinto nas melhores condições para seguir esse caminho. Futebol tem muito da minha cabeça também e a experiência por grandes clubes, por poder trabalhar com gente de alto nível e em todos esses clubes com a base que essa minha passagem anterior e a minha relação que eu tenho muito forte com a base nesses anos todos, ela me dá essa condição.
Que tipo de treinador você pretende ser?
— Um treinador que tenha o controle, junto com o clube, ter uma unidade de comando junto com o clube, com a direção, com executivo de futebol, com departamento de futebol, num processo geral, com uma rotina bem trabalhada. Um treinador que vá para a campo fazer com que a gente treine de maneira concentrada, de maneira intensa, porque o futebol hoje está sendo jogado muito desse jeito. Eu também, dentro do meu pensamento de futebol, busco um futebol vertical. O futebol de pressionar alto. Um futebol agressivo no sentido ofensivo e agressivo no sentido defensivo, claro que flexível às situações em que eu vou encontrar.
Na comissão do Tite, você ficou conhecido como um cara que direcionava a parte defensiva, Brincavam contigo, o Cleber "monta o ônibus dele". Muda agora a sua visão de quantos riscos você tem que assumir?
— Esse é o formato que veio mais a partir da Seleção, um pouco no Corinthians, quando a gente leva a rotina e a metodologia de treinamento do Corinthians para a Seleção e a gente divide uma comissão com muitos membros. Três, quatro auxiliares e a gente fazia essas divisões. Eu cuidava muito dessa parte, às vezes com Sylvinho, às vezes com o Carille no Corinthians, com o Matheus (Bachi, filho de Tite) também. Em determinados momentos trabalhei muito na parte ofensiva também. E as discussões internas, elas acontecem nos dois momentos do jogo (defensivo e ofensivo). Nos quatro momentos, na bola parada, a gente trabalha muito isso em conjunto, para a gente poder dividir melhor nesse sentido. Mas o entendimento e a ideia de jogo, ela permanece.
O que tem de semelhanças e diferenças com as questões das equipes do Tite nos últimos anos?
— O Tite é um cara que é muito atento ao equilíbrio do jogo, a trabalhar bem os momentos do jogo, nos momentos defensivos a gente focar bem nesses momentos. Trabalhar de forma organizada. Fazer com que o time seja organizado, mas que seja agressivo na marcação, que ele seja pressionante na marcação e nos momentos ofensivos. Tite usa muito um termo: na hora de defender, defender, na hora de atacar, atacar. Vou trabalhar muito no sentido de ter uma transição de um momento para o outro forte. E colocar algumas ideias minhas que eu tenho, ao longo da carreira, estudado, discutido, evoluído. Colocar em prática agora como (treinador) número um, que é diferente. Como a gente conversou no dia que eu conversei com ele, estou pronto para tomar as decisões. Claro que eu gosto de fazer um time que seja vertical, que seja agressivo ofensivamente. Mas a gente tem que ter um equilíbrio. Tem momentos que tu tem que baixar a tua linha, tem momentos que tu tem que recuar a tua equipe, o jogo te traz isso. A gente está olhando isso e a realidade do jogo.
No trabalho de vocês na Seleção, houve aquele jogo contra a Inglaterra (antes da Copa de 2018) que deu guinada para um modelo um pouco mais posicional, mais preocupado, com permanente amplitude, com ocupação de zonas do campo. Na sua cabeça, como isso funciona, para onde acha que vai pender m pouco mais?
— Depende muito da característica do time. A realidade desse trabalho (na Seleção), de 2016 a 2018, nas Eliminatórias, a gente vem do Corinthians e tem um time num 4-1-4-1 com o Jadson fazendo essa flutuação da direita para dentro e criando espaços e criando aproximações e apoios. A gente consegue ter sucesso no Corinthians, um dos grandes times que a gente treinou, com a conquista no Campeonato Brasileiro que mostra isso, da forma que foi. A gente chega na seleção e nos primeiros dois jogos, Equador e Colômbia, a gente trabalha com um externo de cada lado: William na direita, Neymar na esquerda e o Gabriel para o primeiro jogo. Já no terceiro jogo, a gente busca no Coutinho esse desenho, porque a gente entendia ser o melhor. E a gente leva as Eliminatórias com esse e com esse desenho. A perda do Renato Augusto como segundo meio-campista, que constrói por trás e que chega, a gente recria o Paulinho do Corinthians para ser esse meio-campista que ataca o espaço. A perda do Renato faz com que a gente faça uma mudança na equipe. A gente tenta no primeiro momento nesse jogo, contra a Inglaterra, um 0 a 0, a gente usa o Fernandinho. A gente chegou a usar o Fernandinho em duas situações para poder ter esse jogador parecido com o Renato, que a gente não conseguia encontrar. A gente queria um jogador que ocupasse o espaço defensivo melhor e que chegasse um pouco mais, que organizasse um pouco mais. A gente não opta pelo Fernandinho, opta pelo Coutinho por dentro e o Willian por fora. Aí a gente trabalha a amplitude dos dois lados e vai para a Copa com esse desenho. A perda do Renato, ela tem muito a ver com isso.
Em 2014, você negociou com a Chapecoense. Você esteve próximo de sair naquela época?
— Foi a única vez que eu fui e marquei um encontro. Eu estive em Chapecó, encontrei com a diretoria e a comissão técnica que ainda estava lá. Infelizmente, daquele pessoal que estava na reunião, muitos morreram naquele acidente (de 2016). Acho que a maioria. A gente trocou ideias, eu fiz algumas perguntas e achei que não era o momento de eu sair para o que eles me apresentaram enquanto clube. Naquele momento eu me lembro que eu volto a Porto Alegre e vou direto ao apartamento do Tite e converso com o Tite perguntando para ele qual eram os planos. Tite sempre que ele termina um trabalho, ele recua e deixa a gente a vontade para tomar as nossas decisões. Sempre foi assim desde que eu comecei com ele no Grêmio, em 2001. Aí o Tite disse: "vou esperar um convite de alguma seleção". Ele já estava tratando com uma seleção e eu perguntei: vou contigo nessa nova etapa? Ele falou que sim. Eu ligo para Chapecoense, agradeço e sigo. Mas o trabalho não veio. A gente desiste da seleção, que era o Japão, a gente espera um convite da seleção brasileira, mas não veio consulta nenhuma. Aí aparece a seleção do Peru, aparece a seleção do Paraguai e o Tite não aceita nem conversar. E a gente prepara para voltar. Se não aparecesse nada até o final, a gente voltaria ao mercado. A gente tem opções de volta no Inter, no próprio Palmeiras, quando o Alexandre Mattos assume, mas a gente resolve voltar para o Corinthians, que era a nossa casa, onde a gente tinha passado de 2010 até 2013 a gente resolve voltar e segue o trabalho de 2015 até a metade de 2016.
A comissão que você estava se acostumou nos últimos anos a jogadores de elite, seja em clubes e, principalmente, na Seleção. Nessa mudança, você está pronto para se engajar num projeto em que patamar? Está disposto a, eventualmente, arrumar projetos, vamos dizer, menos ambiciosos?
— Eu estou preparado para todas as situações. O Gilmar (Veloz) é o meu empresário, ele que está trabalhando junto comigo nessas colocações. Eu estou pronto para trabalhar em equipe nível A, da série A. Estou pronto para trabalhar fora do país. Estou pronto para trabalhar em equipe da Série B, desde que haja um projeto sólido e bem organizado. A gente está disposto a enfrentar todas essas situações.
—Eu sou um cara muito adaptável e de uma relação, de uma gestão pessoal muito, muito clara, muito franca, muito, muito honesta. E tem esse entendimento, a gente no trabalho, nesses 17 anos que a gente tem, a gente trabalhou com todos os níveis de atletas, mesmo em equipes grandes. A gente trabalhou com o nível de atleta médio, trabalhou com meninos da base, a gente lançou muitos atletas, a gente desenvolveu muitos atletas, a gente desenvolveu atletas que faziam uma função, a gente trabalhou para que esse atleta fizesse mais de uma função e são eles os exemplos existentes disso. Então, estou me preparando junto com o Vinicius, com o meu auxiliar, estudando bastante, assistindo a todos os jogos para onde tiver essa oportunidade e for um trabalho sólido, como eu digo, consistente de um clube consistente. Hoje tem muitos clubes na Série B com essa consistência. Tem clubes na Série C, com essa consistência também. Então a gente está preparado.
Como é que foi essa conversa com o Tite? Foi um churrasco, em casa?
— Foi na sala da casa dele, no escritório dele, a sala de trabalho dele. A gente marcou, passou a tarde lá, conversando, trocando ideias, analisando coisas do passado. Colocando algumas ideias para ele. E é legal que aquilo que ele coloca naquele documento que ele faz e passa a imprensa, que também surpreendeu, porque eu não esperava que ele fizesse isso. Embora o Tite seja um cara de altíssimo, altíssimo nível, ele coloca ali bem o que ele me falou. "Estou feliz pela tua decisão. Tu está pronto para assumir uma equipe, para ser o líder dessa equipe de trabalho e torço pelo teu sucesso". E foi assim. Tem exemplo já nessa condição. O Carille que veio com a gente começou lá no começo como auxiliar. Sylvinho também, futuramente o Matheus vai seguir o caminho dele também, o Sampaio também.
E com a família, como foi essa decisão?
— Eu tenho o meu filho, que é um professor de educação física, o Pedro, que é um menino que eu converso muito, hoje tem 30 anos. Ele é bem equilibrado. Tem uma relação comigo, embora morando distante, mas muito próximo das minhas decisões. O meu irmão, que é um cara mais velho que eu, a gente conversa muito e os amigos de comissão, né? A partir daí eu levo para pra família, levo para mim e para minha esposa e para a pequena, a Nina, minha filha tem sete anos.
O auxiliar é um rosto menos exposto. Como está na sua cabeça para essa exposição? Isso foi tema com a família?
— A gente não aprofundou essa discussão. O Tite tem um perfil completamente diferente do meu. Independentemente dos resultados ruins ou resultados bons que a gente teve nesses 24 anos, ele sempre foi um cara recluso. Ele sempre foi um cara na dele. Eu sou um cara mais sociável, um cara mais aberto. Claro que na condição de segundo o treinador, fica mais fácil. E eu entendo que quando eu virar o primeiro, quando aparecer oportunidade, eu vou ter menos tempo para essa exposição, para circular mais. Mas eu não vou perder a minha essência, que é uma essência mais sociável, uma essência mais tranquila.
— Eu, particularmente, estou muito preparado para isso. Vivi, senti as dores das derrotas que a gente teve, senti muito, mas rapidamente eu já me recuperava e já estava como líder de um grupo de trabalho no dia seguinte, trabalhando e buscando reverter. O futebol não te dá tempo. Ainda mais quando tu tá num trabalho que ele não termina. No caso de trabalhos que finalizam, tu tem um tempo maior e aí define como tu vai fazer. Mas aqueles jogos que tu perdes e no dia seguinte já tens que estar no clube de novo, tu tem que chegar lá com toda tua força para levantar o processo. A gente tinha uma coisa muito legal que a gente fazia e é muito do Tite. Nos momentos que a gente estava muito em cima, com muito sucesso, no momento de vitória, ele reunia as pessoas que trabalhavam dentro do clube, todas as pessoas, da cozinha, o pessoal do campo, o pessoal da faxina, todos, todos, todos, sem exceção. Para acalmar e deixar a gente mais com os pés no chão. Num momento ruim, ele chamava todo mundo para levantar, para erguer a cabeça. Essa gestão de pessoas que ele tem, que eu tenho, é muito forte no nosso trabalho. A nossa relação com quem trabalha, com a gente, em todos, é muito de respeito, é muito de valorizar e muito de dar voz às pessoas e muito de reconhecer o esforço das pessoas.
Você acha ou você notou que o pós-Copa de 2022, essa reclusão quase que característica do Tite, foi diferente das outras?
— Não, porque ele sempre foi assim. O Tite é um cara que ele tem poucas relações, é um cara que ele não é muito de ir na casa das pessoas, receber as pessoas na sua casa. Vou for colocar assim direto, pode ser o pessoal da diretoria, pode ser o presidente, pode ser relações de comissão. São poucas as vezes que a gente tem uma interação mais familiar, mais longa assim. Ela é pouca, mas ela é muito verdadeira. Sempre nos chamou para alguns encontros de família, para que a gente possa conversar, para que a gente possa brincar, para que a gente possa relaxar. Mas são poucos, não é dele, não é do perfil dele.
Houve essa conversa pós-2022, ela aconteceu logo?
— Foi imediata. Todos os trabalhos que a gente encerra, imediatamente ele já chama, faz uma reunião com a comissão técnica, analisa o que a gente fez de certo e o que a gente fez de errado. E como eu disse antes, coloca todo mundo à disposição, olha: "eu vou segurar um pouquinho, vou fazer isso, vou fazer aqui". "Vou ficar mais assim". "Vocês têm toda a liberdade de procurar o espaço de vocês e a hora que eu receber um convite, que eu decidir, não é por isso que eu vou deixar de convidar a todos e aqueles que puderem e vão me acompanhar". É bem natural, Sempre foi assim desde que eu trabalho com ele no Grêmio. Comecei o trabalho com ele em 2001.
O que avaliaram depois da eliminação para a Croácia?
— Eu falar pouco e vou ser mais direto. Porque geralmente é um assunto mais para definição do treinador principal. No meu entender, sobre o jogo contra a Croácia: é um time muito forte, que fica muito com a bola. A gente demorou um pouco no jogo para acertar a nossa pressão alta nesse jogo. Aí (depois que) conseguimos acertar e equilibrar, o primeiro tempo foi muito parelho. No segundo tempo nós fomos melhores, acertamos essa pressão, criamos série de oportunidades e levamos isso para a prorrogação. Esse momento bom. Conseguimos fazer o gol e, num momento de desatenção, de uma um erro de decisão, a gente acaba se expondo e tomando e tomando um gol. Não foi um erro de se especificar que "fulano errou ou o fulano..." Foi um erro geral. A gente se expôs e acaba tomando o gol. Então essa é análise mais simples e a maioria das coisas que a gente fez de preparação, a grande maioria como preparação e as coisas que a gente fez para o jogo, como o momento do jogo, para nós são coisas que a gente acertou.
Você é de rever esses jogos?
— A primeira coisa que eu fiz quando entrei no vestiário foi olhar o lance que nós tínhamos tomado o gol. Porque a gente ia para a entrevista depois e eu tinha que fazer uma análise fria, revendo. Eu já tinha a visão do campo, mas eu tinha que fazer análise, revendo o lance para poder, para poder colocar ali. Revi o jogo algumas vezes e sempre continuei com o mesmo pensamento.
Mas do ponto de vista pessoal, humano, como foi? Há derrotas que ficam na cabeça e você fica vendo o jogo, tentando buscar explicações. Ou você consegue lidar apenas com o aspecto técnico de aprendizado?
— Não sei se é frio a palavra, mas eu sou muito frio para isso. Eu gosto de ver, de discutir com a comissão, com amigos que eu tenho, que troco ideias sobre o jogo. E isso me faz passar para dar o próximo passo, usar os erros que a gente teve como lição, usar acertos para confirmar aquilo que a gente que a gente pensa. Mas eu não fico me remoendo com esse sentimento. Passou. É difícil. A gente sabe que é difícil e a gente vive num país que a cultura do futebol é a cultura do resultado. A gente disputa um campeonato estadual primeiro, que é um campeonato que derruba muito treinador. A gente passa por um Campeonato Brasileiro que vários times têm condições de serem campeões. E a gente disputa competições sul-americanas ou Copas, entre elas a Copa do Brasil, que são competições difíceis de chegar. A gente já foi a final, tipo Copa do Brasil, e ganhamos, fomos em final e perdemos. Então a gente vive constantemente essa questão. Então, para mim, eu não consigo ter tempo de ficar me remoendo com isso. Sempre aprendendo com os erros, tentando confirmar aqueles acertos. E as cobranças, elas vão vir. As cobranças, geralmente, vêm mais em cima dos resultados e a gente não pode se deixar levar pelo resultado em si. A gente tem que ver o trabalho que foi feito, a dedicação que você teve, os acertos que você teve, a construção que você teve, a rotina que você teve, a relação que a gente teve com quem estava naquele processo.
Existiu um debate na época sobre a saída do Vinicius naquele jogo com a Croácia. Tem a ver com a questão da pressão (de marcação) mais do que com a produção ofensiva, com a pressão alta?
— No início, sim. O Vinicius demorou para entender o processo de pressão, mas depois evoluiu. Mas você está na seleção, tem que fazer algum movimento de troca. É difícil. Eu estou vendo agora o próprio Ancelotti, cobrado por ter um jogador como o Endrick, que é um jogador, um menino que tem um jogo vertical e ele não entrou nos últimos jogos. Poderia entrar e ajudar. Então, se não coloca, é cobrado. Se faz a troca, é cobrado, não adianta, são ideias. Às vezes tu tem um pensamento, vai consertar o processo do jogo defensivo ou ofensivo e tu acaba tomando gol naquele momento. Não dá tempo de fazer a troca. E a cobrança: "ah, por que eles não trocaram? Por que demorou para trocar?" Às vezes, não é a questão da demora. Acontece naquele tempo, então a gente tem que ter a ideia. Muitas das trocas, na grande maioria, 99%, elas são discutidas antes, no pré-jogo. Elas são treinadas antes de ser discutidas no pré-jogo para que no jogo a gente faça as mudanças. É muita coisa que é outra parte importante do treinador é fazer a leitura do jogo e fazer as mudanças. Tu estás numa seleção com todo mundo ali, tu tem que trocar.
Com a vantagem contra a Croácia, imagino que a discussão tenha sido de ter mais um zagueiro? Acabou seguindo com o Pedro para tentar segurar a bola na frente.
— Teve a discussão. Seguimos com o Pedro para fazer o pivô ou entramos com mais um meio-campista para fechar aquele espaço e tirar a possibilidade da Croácia atacar? Teve essa discussão. A gente optou por seguir com Pedro.
Esse gol, muitas pessoas falaram assim: “Fulano errou porque não devia ter ido na linha de fundo, Fulano errou porque não disputou a bola, Fulano errou porque não fez a falta, Fulano errou porque correu errado...” Quando você revê, você acha de fato que houve tantos erros individuais? Ou foi a forma como o lance se desenvolveu e o mérito do outro time foi desencadeando um monte de reações? Era um gol facilmente evitável na tua visão?
— É que o gol ele é quebrado em muitos momentos. A bola vem, ela quebra de novo. O Pedro sai, joga essa bola na passagem do Fred. Aí tu vai dizer: “mas é o segundo meio campista, não precisa sair”. Do lado esquerdo estavam passando o Rodrygo e o Neymar também. Era uma opção de jogar em dois jogadores que são atacantes e que poderiam definir o jogo. A bola vem, o Casemiro, ele podia até ser mais duro e fazer a falta, mas ele tenta limpar a jogada e a bola acaba rebatendo e passando. O atacante puxa uma diagonal. O Alex Sandro acompanha por dentro e na finalização a bola bate, desvia. Tem uma característica do Marquinhos e do Thiago Silva que eles são muito bons bloqueadores. E a gente no processo defensivo, nos nossos conceitos de jogo defensivo a gente usa muito bloqueio de cruzamento e finalização. E esses dois são mestres nisso. Só que naquele momento a bola bate, desvia. Então são várias quebras que não dá para se dizer que foram erros ou tomadas de decisões erradas. É do jogo, é do calor do jogo.
Quase todos os times tiveram momentos em que os jogos foram para um terreno de absoluto descontrole na Copa. Argentina e Austrália, a final da Copa, Argentina x Holanda... É um torneio muito pesado no aspecto emocional?
— Porque é torneio. É quase um “mata”. No mata-mata, tu estuda, tu vai para o jogo no campo do adversário, tu usa algumas estratégias, no primeiro jogo na tua casa tu joga de um jeito, o segundo jogo de outro. Não é um jogo só. Na primeira Copa, a Bélgica estava perdendo para o Japão e consegue fazer a virada e ela vai para o jogo contra a gente com três mudanças de atletas e com mudanças de plataforma de jogo. Ela mudou. E com mudanças tomamos um gol de bola parada que quem bateu a bola parada nunca tinha batido bola parada na Copa. Então aí vem: “Ah, por que vocês não analisaram? Por que o jogador deixou o espaço? O Fagner não marcou o Hazard...”. A gente com cinco minutos tem a imagem do Tite chamando o Fagner, organizando. Mas a gente tomou um gol de contra-ataque de escanteio e a gente tomou um gol de bola parada, mas depois o jogo era nosso. E aí o Courtois vira o melhor do jogo, a gente perde gol passando perto. Poderia ter empatado. Não foi o sentimento de um jogo que tu não jogou nada, que tu foi muito mal. Se fosse isso eu teria ficado muito mais tempo indignado, mais tempo sentido com essa situação. Mas não foi. Então vamos seguir, vamos embora.
Alguma das duas derrotas doeu mais em vocês? Ou em você pessoalmente?
— Eu fico olhando para o vestiário... Eu sou o cara que eu vou consolar dentro do vestiário. Você deixa o pessoal sofrer primeiro ali e depois, com o tempo, eu vou consolando cada um. E eu fico muito nessa observação. Eu não sou um cara de me fechar, de baixar a cabeça e sofrer. Eu sou o cara de chegar lá dentro, tentar levantar todo mundo e depois, na hora da reza, quando os jogadores dão seus os seus depoimentos, tu vê que jogadores da grandeza que nós tínhamos lá, muitos com um monte de títulos importantes, por clubes importantes do mundo, todos com um sentimento muito forte. Porque cada um tem a sua dor também, a sua cobrança. Eu também tenho muito a realidade de que eu não sou a figura principal. As cobranças maiores, elas vão vir na figura principal, no treinador principal, no jogador principal, no jogador que estava dentro do campo e perdeu o gol, entendeu? Então eu tento dar uma força para esses caras, porque eles estão precisando. Eles vão ser os mais cobrados.
No início da preparação para a Copa, o Vinicius foi ganhando espaço, depois de longo momento em que não era titular absoluto. O Paquetá dá um passo pra trás e vocês montam o time, depois com o Raphinha também. Como foram essas discussões, essa montagem de equipe? Vinicius mostrou que era imprescindível nesse time para mudar a ideia de vocês?
— O processo de seleção no Brasil há uma exigência muito grande de fazer renovações. Estão sempre pedindo para que se renove. Vou voltar no tempo. Entre 1958 e 1962 o Brasil teve uma sequência, aí em 1966 tentou se fazer, convocou 44 atletas, tentou se fazer uma seleção continuada e renovada. Não deu certo. Em 1970 já se fez uma seleção vencedora, uma das maiores campeãs aí. Em 1974 alguns jogadores estavam lá e na derrota foi muito criticado. O próprio Zagallo, que era a referência maior, foi muito criticado. Então, assim, a gente tem que ter cuidado nessas renovações. O processo de seleção, a gente sempre trabalhou com três critérios, e a gente acha que os critérios de convocação eles devem ser o mesmo, aqui no Brasil pelo menos, para os treinadores que assumam a seleção. Mas fora, nos outros países, quase sempre a renovação é muito pequena.
— O Vinícius vinha num processo de dificuldade no Real, sem um bom entendimento com o Zidane, não tendo um aproveitamento muito bom. E a gente traz ele para a Copa América. Trabalha muito com ele algumas questões de finalização, as questões de ataque ao espaço, usando a característica dele. E eu me lembro que eu vi num programa o Zinho falando que era vizinho dele e que via ele treinar em casa. “O Vinícius treinando em casa, que legal”. E aí quando chega no clube, o Ancelotti recebe e trabalha muito com ele, faz essa evolução do atleta.
— Então em outro momento, quando vai chegando perto da Copa, esse Vinícius evoluiu muito. A gente deu um pontapé inicial, mas o trabalho mais demorado, mais envolvente e detalhado foi do Ancelotti. E aí o Vinícius cresce. Mas tinha muitas opções boas na Copa e às vezes os jogadores demoram para amadurecer. O Raphinha, que a gente foi lá buscar, hoje vive um grande momento. Hoje tu tem na seleção aqui no Brasil dois grandes externos pela direita. Ainda bem que o Raphinha está jogando por dentro, aí tu pode tirar ele dali. Tem o Luiz Henrique, o Estevão, que está jogando muito. Então às vezes o Luiz Henrique está no jogo e não está dando a resposta. Aí tu pode usar o Estevão ali. Tem o Savinho... Então tem que ter paciência com esses critérios que a gente usa. São os critérios do momento do atleta, da história dele na seleção, que precisa levar em conta, e a projeção de um atleta para o futuro. Então nós estamos vivendo agora uma fase em que o Dorival está chegando, trouxe uma equipe para trabalhar, para dar suporte, com profissionais de qualidade por trás dele. Para dar essa tranquilidade, precisa de dois bons resultados nessa próxima data Fifa, para seguir em março, mais tranquilo para fazer o trabalho dele e definir o grupo. E olha que ele já experimentou bastante gente... Acho que a partir do ano que vem, em março, ele começa a definir um grupo mais coeso e mais definido ali, de 30 jogadores, e vai trabalhar em cima disso. Fora do Brasil não tem muito isso, não tem muito essa busca por jogadores. Vai surgindo um aqui, outro ali, mas vão se repetindo.
De cinco anos pra cá, o futebol brasileiro mudou. Muitos treinadores europeus, as SAFs, os orçamentos turbinados. Você citou Luiz Henrique e Estevão. Você acha que hoje o futebol brasileiro tem mais jogadores convocáveis do que tinha na época de vocês? Tem mais aspectos coletivos que se podem levar para a seleção brasileira do que tinha na época de vocês?
— Não sei, mas vou fazer uma avaliação rápida. O Bento surgiu como um goleiro. Nós tínhamos só um goleiro no Brasil dando resposta boa, que era o Weverton. Surgiu o Bento, hoje tem dois goleiros. O Arana estava pronto para ir pra Copa, mas teve aquela lesão. Ele continua ali. Surge um volante com característica diferente, que é o André, ou o João Gomes. Eles rapidamente já foram para Europa, mas estavam neste mercado. Tem o Igor Jesus, que é uma grande descoberta, está jogando muito e está aqui no Brasil. O Luiz Henrique já esteve lá fora e eu conheço o Luiz desde a época da base, sempre foi um grande jogador. E agora o Estevão, então não muda muito isso. O Brasil sempre teve bons jogadores, tanto aqui quanto lá. Tem muito a questão de grandes jogos, de grandes enfrentamentos, enfrentamentos com jogadores num nível maior. Isso cria no jogador uma casca maior, cria no jogador uma qualidade maior, um entendimento maior do jogo. Eu vejo muito isso.
O que um clube precisa te mostrar para conseguir te atrair?
— Uma organização de trabalho, uma rotina bem definida, o comando do futebol com qualidade, com entendimento de futebol. Hoje, o futebol depende muito do scout para que possa fazer contratações. E volto a falar: clubes da Série A, da B ou da C não estão muito longe nesses processos. A gente fica falando que tem treinadores de nova geração, mas tem muitos analistas de nova geração, muitos scouts de nova geração e muitos executivos de nova geração. Temos o exemplo do Edu (Gaspar) e do (Tiago) Scuro, profissionais que saíram daqui e foram trabalhar lá fora, fazendo grandes trabalhos. Então, um clube que tem essa organização, que tem uma rotina organizada, que tem um organograma organizado, que te dê uma certa tranquilidade de trabalho dentro dessa cultura meio maluca do futebol brasileiro de não ter continuidade. Para mim, um dos maiores problemas é a falta de continuidade numa comissão técnica. Mas a gente sabe que, trabalhando numa situação organizada, a possibilidade de sucesso é maior. E infelizmente, os resultados é que vão fazer com que tu permaneça.
Já parou pra pensar sobre essa questão de o Brasil ter conseguido conquistar certo espaço para seus executivos em grandes centros, em grandes ligas, mas não para os seus treinadores.
— Sim.
Tem um diagnóstico sobre isso?
— Um pouco pela língua, um pouco pela demora de ter um estudo mais qualificado na preparação. Então tu vê a escola portuguesa, que é muito bem preparada a partir de uma escola que vem da Universidade do Porto. Ou a escola argentina. São muitos jogadores que trabalharam muito tempo na Europa e que se prepararam para ir lá, e também tem um pouco de facilidade de língua. E a escola do Brasil, historicamente nossos grandes treinadores não conseguiram ter um espaço. Não é de agora isso. Eles não conseguiram ter um espaço maior lá fora. Eu acho que o cara que mais conquistou alguma coisa lá fora foi o Felipão com o Portugal. A CBF abriu um grupo de estudo criado pelo Maurício Marques e pelo professor Osvaldo, há muito tempo atrás. Teve uma evolução muito grande, mas ela poderia ir muito mais longe do que ela é. A CBF poderia dar muito mais para preparar melhor os treinadores. Eu fiz as duas licenças, eu fiz a licença A, fiz a licença Pro. O Vini que trabalha comigo fez a licença C, a licença B, a A e a Pro. A gente aprendeu muitas coisas, mas a gente aprende muitas coisas também nas relações, no dia a dia com esses treinadores que estão ali, nas aulas, nos trabalhos que a gente te faz em conjunto. Eu acho que o maior problema é criar um processo, que já deveria ter sido criado há mais tempo, de estudo melhor. E a dificuldade da língua também.
Como é que você tenta fazer individualmente para suprir todas essas deficiências que você vê no processo oficial? No seu caso, depois que você decidiu que ia seguir a sua carreira, você mudou a sua rotina?
— (A rotina) é de estudo. Eu dei uma atenção à família quando terminou o trabalho no Flamengo e já comecei a me preparar para escolher o profissional que vai trabalhar comigo, e outros que possam vir a trabalhar depois. Trocar ideia e fazer reuniões por vídeo, para a gente poder discutir metodologia, ideias, conceitos e treinamento. E isso é uma coisa que a gente tinha na CBF, as portas abertas para receber ex-atletas, treinadores e o pessoal da imprensa para discutir futebol. Eu continuo fazendo isso, num café, num almoço, ou uma troca por telefone com muitos profissionais que já trabalharam comigo e hoje são treinadores. Ainda não saí para fazer uma visita em alguns clubes, que é uma questão que eu pretendo também. Só que o espaço também está muito curto, porque agora parece que o calendário já vai começar em janeiro, vai ser mais achatado ainda. Então eu estou usando muito isso para estudar, assistir jogos, separar lances de jogos, discutir lances de jogos. Tem um material muito farto. Eu sempre digo isso. Tem muita gente boa nessa juventude postando coisas interessantes, discussões interessantes, matérias interessantes. Isso nos faz ou confirmar o que a gente pensa ou aprender aquilo que a gente não sabe.
É tentador assistir um jogo pensando que decisões você tomaria? Ou você prefere ver o jogo tentando entender os mecanismos que quem está ali, tomando decisão, usou?
— As duas coisas. Não tem como separar. Uma hora você vê o treinador fazer uma modificação e pensa: “por que não fez isso?” Mas eu também, por ser um profissional e por ter vivido muito isso, às vezes a gente entende este processo de tomada de decisão. São 24 anos em futebol de elite, 24 anos tomando decisões ou auxiliando o treinador a tomar decisões direto. Até 2012, a gente usava a comunicação pelo radinho. Depois de 2012, a gente podia ficar sentado no banco. Então a crítica não pode ser solta, porque teve uma semana de treino, teve a preparação, estratégia para o jogo, teve o pré-jogo, teve a palestra, teve a ideia que se leva para aquele jogo, tem os jogadores chaves dentro do campo que vão te ajudar com tomadas de decisão. Tem uma série de coisas que a gente tem que levar em conta.
Neste um ano de Flamengo, no início, conseguiram levantar o time, na Copa América, que parecia ser o período de maior fragilidade, responderam bem, mas depois caíram na Libertadores daquela maneira. Como avalia essa passagem?
— Nesse período, do presidente Landim como comandante do clube, nós fomos a comissão que durou mais tempo. Foram 11 meses e alguns dias. O primeiro processo a gente vem com a possibilidade e com o pedido da diretoria e nós entendemos que deveria ser naquele momento, depois de algumas conversas, de classificar o time para Copa Libertadores. Um clube da grandeza do Flamengo não podia ficar sem disputar essa competição nesse ano. Conseguimos o objetivo, paralelamente analisamos alguns atletas que a gente gostaria que continuassem ou não, que a gente montaria como elenco.
— O segundo processo foi o início do ano, porque o Flamengo vinha sem conquistas em 2023, com um ano de dificuldade. Entra num ano eleitoral e a gente tem aquele entendimento de todos, da presidência, departamento de futebol e nosso, que a gente deveria buscar a conquista do título do Campeonato Carioca. A gente consegue ser campeão invicto.
— O terceiro momento, a gente fica com o trabalho com muita dificuldade, por ter jogadores em demasia nas seleções. É aí que a gente entende a usar jogadores em duplas funções, fazer com que a gente conseguisse, naquele tempo de trabalho de dez dias, desenvolver uma maneira de jogar e continuar se mantendo no nível que a gente estava no Campeonato Brasileiro. Paralelamente a isso, as competições que vão chegando, num terceiro momento. A gente perde um monte de jogadores e consegue manter, em jogos importantes, vitórias importantes nesse período. No quarto momento, foi o momento mais difícil para nós. Esse período da Copa América sacrificou muito porque alguns jogadores jogaram no sacrifício, com um pouquinho de lesão, sem o melhor momento físico, e aquilo a gente perdendo algum jogador por lesão. Foi muito difícil. É o momento em que a gente cai e esse momento coincide, quando teve uma série de jogos ali que foram jogos muito difíceis, de jogar no sintético. Muita gente fala assim: “ah, é desculpa”, mas jogar no sintético do Botafogo e do Palmeiras é muito difícil, porque não é um campo que você está acostumado e são duas grandes equipes competitivas e com muita qualidade.
— Então a gente pegou dois jogos com o Palmeiras, um no campo sintético, o outro normal, jogos decisivos de Copa do Brasil, e no Brasileiro, três jogos, na verdade. Pegou o jogo do Botafogo e teve viagem para a Bolívia, que é muito duro jogar, teve uma série de jogos difíceis. O calendário nos colocou ali e a gente teve muita dificuldade e houve a queda. A gente continuou nessa queda. E, infelizmente, a gente não consegue passar pelo Peñarol. A gente brigou tanto para trazer uma classificação para esse ano de Libertadores, a gente não consegue passar. Faz dois jogos que não são bons jogos, a gente reconhece, mas a gente deixa o clube numa situação boa na Copa do Brasil e boa no Campeonato Brasileiro com todas essas dificuldades. A gente sai num momento difícil, que a torcida vaiou no jogo contra o Athletico. Mas a gente, sinceramente, a gente não esperava. Eu, particularmente, eu não esperava. Tanto que eu vou para casa já pensando, na minha cabeça, no jogo contra o Corinthians.
Uma discussão que acompanhou o Flamengo no ano foi o calendário e as opções. As prioridades no imaginário das pessoas são, pela ordem Libertadores, Brasileiro e Copa do Brasil. É difícil tratá-la (a Copa do Brasil) como competição menor do que o Brasileiro?
— É muito difícil, porque, em teoria, elas têm essa diferença. Mas na prática tu sempre vai me ouvir falando ou vai ouvir outros treinadores falando que o próximo jogo é o mais importante. E às vezes tu só pensa nele, tu trabalha ele e então quando cai, coincidentemente, numa competição de Copa do Brasil e o teu segundo adversário é o Palmeiras, não tem como tu não ir para o jogo com o Palmeiras com o teu melhor. Com cuidado com um ou outro atleta, mas tenta ir com o teu melhor para buscar a vitória. Porque aqueles mesmos que possam dizer teoricamente que é melhor valorizar o Brasileiro do que a Copa do Brasil, eles, na derrota, vão falar. Então, para a gente, internamente, é uma ideia de diretoria, de comissão técnica, que nós temos que ir trabalhar para a vitória em todos os jogos.
Olhando para trás, o que aconteceu na sequência Nova Iguaçu e Milionários, o que aconteceu no Amazonas e jogos do Campeonato Brasileiro no meio e depois Palmeiras. O Flamengo quase sempre esteve mais composto ou no Nova Iguaçu ou na Copa do Brasil do que no Brasileiro. Dava para ter feito diferente?
— Não, porque tudo é analisado diariamente. A rotina de um atleta. Hoje você chega no clube, tu passa por uma situação de análise do sentimento de como tu teve no jogo anterior, no dia anterior, de como tu dormiu. Depois tu vai para a fisiologia para fazer mais um pouco de análise, aí tu passa na fisioterapia para recuperar, ai tu passa no departamento médico se tu tem algum problema de lesão. Com os clubes de alto nível hoje tem toda essa organização. Depois tu vai fazer o teu lanche, o teu almoço, ou seja, tudo para depois o treinador receber esse material para fazer uma análise, para decidir que atleta ele vai colocar. Então, assim, a gente tinha profissionais de altíssimo nível no Flamengo para ajudar a decidir isso. A palavra final é do treinador principal, mas ele também analisa muito esses detalhes e com a diretoria também sentando à mesa para dizer “não, vamos colocar o que nós temos de melhor hoje, que é muito importante para o clube esse resultado”. Então, às vezes coincidiu. A gente jogou muitos jogos e isso não é desculpa. Às vezes serve como desculpa, mas não é. A gente jogou muitas sequências de três jogos em seis dias e aí tinha que optar. Dava para fazer assim: “vamos jogar contra o Amazonas com todo o time reserva e vamos jogar com time titular no Brasileiro contra o São Paulo”, vamos dizer assim. Lembro que a gente jogou um jogo nesse mês contra o São Paulo com os reservas. Mas não era (assim). O time estava melhor para jogar aquele jogo do Amazonas e era importante a classificação naquele jogo contra o Amazonas, para uma sequência de querer ganhar a Copa do Brasil.
Você falou da surpresa com a demissão. Houve alguma justificativa da diretoria, alguma conversa?
— Teve a justificativa com o Gilmar (Veloz), com o empresário.
E foi qual? O resultado?
— O resultado. A relação com a torcida.
Simples assim?
— Simples.
Como foi a volta aos clubes depois de rotina tão diferente numa seleção? Houve alguma mudança na forma de encarar, trabalhar, vocês trouxeram algo do universo do futebol de seleções, sentiram um desgaste maior?
— Quando a gente assume a Seleção em 2016, o Edu (Gaspar, ex-coordenador de seleções da CBF e parceiro da comissão técnica desde o Corinthians) coloca que vai dar uma volta na Europa e aqui na América do Sul para ver como trabalham alguns departamentos de seleções e entender alguns processos. Só que não tínhamos tempo. Era um jogo contra o Equador, estávamos em sexto, tinha toda aquela dificuldade para buscar a classificação para a Copa. Então, resolvemos trazer a rotina do Corinthians para a Seleção e fazer uma adaptação. Os jogadores se apresentam na segunda. A grande maioria não consegue treinar porque jogou domingo, fez viagens longas. Na terça-feira ainda tem que recuperar alguns atletas. E na quarta-feira tu vai montar a estratégia ofensiva, defensiva e de bolas paradas para o jogo. Tivemos que baixar o volume no segundo dia para no terceiro aumentar um pouquinho, sempre trabalhando com intensidade para ter equilíbrio no dia do jogo. É claro que são jogadores de alto nível, conseguem entender rapidamente. Nos períodos de copas, mais longos, desenvolvemos trabalhos de conteúdo melhores, mas é completamente diferente de um clube. Na Seleção, jogamos 84 partidas em seis anos e meio. No Flamengo foram 70 em 11 meses e meio.
É frustrante para um treinador de futebol, atualmente, dar tão poucos treinos no campo?
— Eu gostei do processo de seleção. Entendi como é, e não há outra maneira de ser. A partir do momento em que a gente chega na CBF, a comissão técnica trabalha diariamente das 10 da manhã às 7 da noite. Antigamente, não. O treinador ia, fazia convocação e acompanhava de casa. Hoje há uma estrutura montada. Fizemos viagens, uma condição que nos foi dada pelo Edu e pelo Juninho Paulista (sucessor de Edu no cargo, a partir de 2019) para que pudéssemos ter uma relação próxima com os atletas, almoçar, jantar com eles, conversar com as comissões técnicas, os departamentos médicos, os diretores. Gostei desse trabalho porque você consegue desenvolver teu jogo com resultados legais. Mesmo com jogadores importantes, conseguimos transformar alguns. Fazer com que executassem duas ou três funções. E os resultados aconteceram muito nas duas eliminatórias, nas Copas Américas, em que ganhamos uma e fomos à final na outra, e nas duas Copas do Mundo, a gente podia ter ido mais longe? Podia. É um sentimento que eu tenho.
— No clube, com esse calendário que temos, é muito desgastante. Porque tu tem que analisar jogo em cima de jogo, adversário em cima de adversário, montar treino, recuperar atleta. O Brasil é um país continental, as viagens são muito desgastantes, embora o Flamengo dê todas as condições de voltar em voos fretados. Às vezes era mais interessante dormir na cidade e voltar no outro dia, é difícil equilibrar essas coisas. Estou preparado para assumir uma equipe de Série A e viver essa realidade, e lógico que há equipes de Série A que não disputam tantas competições, ou uma de Série B que dispute duas, ou de fora do país, com outras realidades e é preciso entender cada uma delas. Passamos duas vezes pelos Emirados Árabes e jogávamos a cada 15 dias. Hoje, para mim, o futebol está muito baseado em recuperar atleta e fazer estratégia para o próximo jogo. Gestão de pessoal, de atletas, com treinamentos intensos, mas muitas vezes com volume reduzido. Uma realidade que tinha no futebol brasileiro até pouco tempo atrás era treinamento em dois turnos. Hoje não existe, não tem como. Hoje tem atleta que não treina para ir para o jogo, só recupera.
Isso implica, definitivamente, incorporar novos meios de passar a mensagem? Não limita só ao campo, é vídeo no celular de jogador, esse tipo de recurso?
— Perfeito. Hoje, há reunião individual com os atletas, ou por setores, coletiva, montar material, discutir com atleta, fazer correções nos movimentos que precisam melhorar de posicionamento de corpo, de finalizações, com todos eles, de alinhamento de setor, de um jogo progressivo, do que quiser fazer nas organizações ofensivas e defensivas. É muito importante, hoje, o departamento de análise de desempenho. O Brasil tem muitos bons analistas espalhados pelos clubes. Alguns viraram auxiliares e podem virar treinadores porque vão desenvolvendo uma maneira de enxergar o jogo muito boa.
E como você vê os analistas de desempenho particulares dos jogadores?
— É muito relativo. Já vi gente que não gosta, como preparadores físicos que não gostam que os atletas tenham seus individuais. Mas, para mim, depende muito de quem é esse profissional, de como ele trabalha. Acho que para muitos é um bom auxílio. O preparador físico, o fisioterapeuta e o treinador de movimentos táticos. Aquele coach mental eu fico meio assim. Prefiro um bom psicólogo no clube. Tem que conhecer esse profissional, tentar se aproximar de alguma maneira para saber se ele está fazendo um trabalho que o clube precisa.
Você não vê o risco desse treinador tático individual induzir o jogador a uma solução diferente daquela que o treinador deseja?
— Por isso digo que é interessante ter um conhecimento deste profissional para entender como ele faz esse processo. Eu conheço, principalmente, preparadores físicos particulares que fazem trabalhos muito bons, que às vezes o atleta não tem no clube. Minha ideia de trabalhar, a princípio, com um auxiliar, é porque sempre valorizei os profissionais da casa. Todos os clubes pelos quais passei têm muitos bons profissionais. Muitos viraram os principais, sejam fisiologistas, fisioterapeutas, preparadores físicos, treinadores da base, auxiliares de preparação. Foi assim no Grêmio, no Inter, no Palmeiras. O Magoo (Marco Aurélio Schiavo), na época em que trabalhei no Palmeiras, em 2006, era um p... profissional e hoje é preparador físico do clube. O Rogerinho, com quem trabalhei no Grêmio. O Marquinhos, do Fluminense. O Arthur Peixoto, auxiliar de preparação física do Flamengo, é de altíssimo nível. Então, temos profissionais bons e minha ideia é valorizá-los para desenvolver trabalhos com setores e individualidades de atletas. Se o clube me der condições de aumentar a comissão técnica, tenho condições de levar profissionais de alto nível.
O Tite disse que no início de carreira como treinador, ele apenas dava a ordem aos jogadores. Hoje, ele precisa convencer o jogador de que aquela orientação é a melhor opção. Como pretende trabalhar com isso, sendo já experiente, mas iniciando uma trajetória como treinador principal?
— Aprendi duas coisas com o Tite no Grêmio e levo comigo. Primeiro é criar um bom ambiente de trabalho, com respeito e valorizando todos os profissionais. Segundo é uma liderança de convencimento. Tu pode determinar, tu é o cara que faz o comando, mas procura convencer o atleta daquilo. Hoje, um dos trabalhos mais importantes do treinador é desenvolver o atleta. Há muitos que podem fazer mais de uma função. Olha o que o Gerson está jogando. Em três ou quatro funções, ele joga, e desenvolveu isso com seus treinadores. Ele se propôs a isso.
— O que desenvolvemos nele foi uma liderança. Hoje, ele é o líder do Flamengo, e é um grande líder. Esse desenvolvimento de gestão humana também é legal. Uma coisa que surge agora é em relação aos atletas que voltam depois de cinco, 10, 15 anos na Europa, maduros, que jogaram grandes jogos, e são muito professores dos que vêm da base e até de outros mais experientes. O Flamengo tinha o Filipe Luís, agora treinador, o David Luiz faz muito isso. Vi uma entrevista recente do Roger (Machado, técnico do Internacional) falando sobre como o Fernando (volante) o ajuda, em relação ao Luis Otávio, menino que ele tá colocando pra jogar, e até ao Rômulo, a desenvolver alguns posicionamentos, leituras. Porque às vezes não dá tempo de a comissão fazer isso.
Se você tivesse 15 dias para acompanhar de perto o trabalho de qualquer treinador do mundo, qual você escolheria?
— Ah, se eu abrir para o mundo vou até os grandes treinadores, citaria alguns, mas vou valorizar meu colega de trabalho, aqui do Brasil. Eu gosto muito do Roger, acho que ele é um grande treinador. Foi nosso atleta no Grêmio, se preparou, merece o que está acontecendo agora. Trabalhou em grandes clubes, fez grandes times, teve muitos acertos, alguns erros e aprendeu, está se desenvolvendo cada vez mais. Hoje, é um grande treinador. Eu gostaria, se pudesse, de assistir a treinamentos dele, como já fiz.
Além do Inter, que você citou, que outros times da temporada brasileira você gosta de ver?
— O time que mais chama atenção é o Botafogo. Muito agressivo, vertical, com jogadores que fazem a diferença. O Luiz Henrique e o Igor Jesus estão jogando muito. Mas o Savarino e o Almada também. E o Gregore faz um primeiro meio-campista que define o setor, agressivo de marcação forte. O Marlon também. A chegada do Alex Telles, que é um grande jogador. Os dois zagueiros têm qualidade no passe e marcação forte. O goleiro se destaca. Em relação ao ano passado, melhorou muito. Não à toa lidera o campeonato e vai decidir a Libertadores. Acho que a linha de frente do campeonato é dos melhores. O Palmeiras sempre com grandes trabalhos, o Flamengo sempre chegando com conquistas. O Inter com essa recuperação do Roger. E o trabalho do Fortaleza que a gente não pode esquecer. O Vojvoda é um grande treinador e a gestão é o exemplo do que eu gostaria de ter. Não é uma SAF ainda, mas um trabalho organizado de muito tempo. O Bahia deu uma derrapada, mas é um projeto que pode crescer. E sem esquecer do Atlético-MG, em duas finais de copas.
Vocês tiveram dois atletas muito importantes na Seleção, o Neymar e o Coutinho, que hoje passam longe dos melhores momentos. O Neymar, na Arábia Saudita, com série de lesões, o Coutinho, no Vasco. Qual o tamanho da ladeira que eles têm que subir hoje para voltar ao nível que já tiveram?
— Vou começar pelo Couto, gosto muito dele, é um grande atleta, fez trabalhos muito bons conosco, principalmente nos primeiros anos. Infelizmente, depois ele teve uma queda por causa das lesões. Torço muito para que, com uma preparação maior no próximo ano e uma organização no trabalho do Rafael Paiva, que também é muito bom, de uma nova geração de treinadores, ele possa crescer. E o Neymar, infelizmente, teve uma lesão séria. Espero que se recupere e em março esteja em condições de ser convocado porque ele ainda é o jogador diferente do Brasil.
Você gostaria de vê-lo novamente no futebol brasileiro?
— Não. Não consigo enxergar o Neymar jogando aqui. Espero que ele se recupere, cumpra o contrato no Al-Hilal, consiga voltar para a Seleção, e eu ainda o vejo jogando num grande clube da Europa. Torço por isso.
Guardiola disse uma vez que não acredita na tese sobre tratar todos os jogadores igualmente. Disse que uma vez repreendeu um jogador em particular, e ele preferia que tivesse sido na frente de todo mundo. Noutra vez, falou para todos e o jogador se sentiu mal. Até que ponto os jogadores devem ser tratados igualmente e outros merecem tratamentos diferentes dentro de um clube?
— A vivência que tenho de trabalhar muitos anos com grandes jogadores e com outros que surgiram da base e depois se tornaram grandes, é que tu deve ter conversas, se aproximar, tirar o melhor deles. Deve insistir em alguns processos. Há muitos jogadores que estavam desistindo de si mesmos, e nós conseguimos fazer com eles alguns desenvolvimento. Acho que as coisas devem ser colocadas para todos. Nunca ser mal-educado, desrespeitoso, pisar no atleta. Ele deve ter a atenção chamada na frente de todo mundo, mas sempre depois de uma conversa individual porque eles, realmente, são diferentes entre si. E nunca desistir de desenvolvê-los.