O destino de um caminho nem sempre é o mesmo. Leandro da Silva Marques sabe bem o que é estar perto da fama e do anonimato, extremos que talvez apenas o futebol una com tanta frequência.
Aos 24 anos, Leandrinho era um dos jovens tidos como promessa na base do Flamengo . Ele ficou para trás, enquanto Vini Jr hoje brilha no Real Madrid, na seleção brasileira e é considerado um dos favoritos a vencer o prêmio da Fifa de melhor jogador do mundo da última temporada.
Quis o destino que, pouco mais de seis anos depois de dividirem o mesmo sonho, a realidade de ambos seja completamente oposta. Leandrinho atua na várzea de São Paulo e procura um clube para manter a família e o sonho de fazer sucesso como jogador profissional.
– Hoje a minha "bola de ouro" (em alusão ao prêmio que Vini Jr pode receber) seria aparecer uma proposta para fora. Não precisa ser aquela proposta exorbitante, seria apenas para abrir as portas para conseguir um clube, voltar para o cenário, poder me manter. E que se Deus quiser, que seja um clube de fora do país – sonha Leandrinho.
A história está longe de ser inédita no futebol. Pelo contrário, o mais comum é que poucos se destaquem e ganhem muito dinheiro, enquanto a maioria fica pelo caminho ou muda de carreira.
Leandrinho atuou na base do Flamengo de 2013 a 2018, sendo até convocado para seleção brasileira sub-15 e 17. O caminho parecia sólido e bem pavimentado para uma carreira de sucesso, assim como a do ex-colega Vini Jr, campeão da Champions League por duas vezes e que tem a mesma idade.
– É difícil porque a gente vê que poderia, estava ali do lado, próximo, então a gente fica meio chateado. Mas é isso, a vida, infelizmente, é assim. Não posso nem dizer infelizmente, mas às vezes as escolhas que a gente faz não dão certo, isso é normal. Acho que o que tem que acontecer tem que acontecer, não tem essa. A minha cabeça está tranquila.
– Penso que se não deu certo ainda, pode ser que ainda dê, e se não der também vou ter que arrumar algo pra fazer, porque não posso nem me martirizar ou me fazer de vítima porque não deu, é bola pra frente – analisa Leandrinho.
A “geração 2000” do Flamengo, como eles próprios se intitulavam por terem nascido naquele ano, revelou jogadores que fazem sucesso, outros que seguem jogando e mantendo bom padrão de vida, outros que desistiram e hoje trabalham em outros ramos e Leandrinho, sem empresário, clube e ainda querendo sobreviver do futebol.
Sem jogar profissionalmente desde março, quando defendeu o Nova Venécia, time do atacante Richarlison no Espírito Santo, Leandrinho fez apenas 20 jogos oficiais na soma das passagens por três clubes nos últimos anos. Ao todo, são dez times diferentes no currículo.
– Fiquei sem empresário, então meio que o mercado fica mais difícil de entrar. Você não tem alguém que corre atrás para você, sozinho não dá para se virar. O pessoal ouve "ah, jogador de futebol", mas a realidade é realmente outra. Se fala jogador de futebol quando está ali em uma Série A, Série B, mas quando você começa a jogar uma segunda divisão de estadual ou até mesmo uma Série C, Série D, hoje em dia é muito difícil.
– Quando vem pessoas procurando saber como está a minha situação, eles até perguntam: "pô, mas você tem um currículo tão bom, foi para a Seleção... o que aconteceu? Você tem lesão ou alguma coisa?" Não, eu não tive. Tinha um empresário na época que a gente meio que não deu certo e aí fui só batendo, conhecendo outro, só que é aquilo, o empresário é bom, mas também tem aqueles que só estão atrás para tentar realmente ganhar alguma coisa. Se não ganhar, já vira as costas.
Leandrinho mora atualmente em Itapevi, cidade da Grande São Paulo, onde atua na várzea e consegue o dinheiro necessário para manter a casa e a filha prestes a completar um ano. Aos fins de semana, ele joga ao menos três partidas em campeonatos amadores ganhando em média entre R$ 350 e R$ 400 por cada uma delas.
– A várzea está proporcionando muita coisa boa, vários ex-jogadores que estão na várzea e também outros que estão na mesma situação que a minha. Você tem que se virar de alguma forma, porque o capital tem que entrar, né? A várzea, graças a Deus, me ajuda bastante, não tenho do que reclamar, só agradecer. Mas esperando uma oportunidade. Eu treino de manhã, de tarde... corro atrás a semana inteira, no fim de semana tem os jogos na várzea, então você está ali jogando e se cuidando.
– A alimentação já é uma parte mais difícil porque quando você está no clube você tem uma nutricionista ajudando. Ah, dá pra jogar dois, três joguinhos. Dá pra jogar no fim de semana, sim. Mas é aquilo, você também tem que se cuidar, porque se não o corpo também não aguenta. Ajuda (o pagamento) a manter ali, a poder pagar academia, a estar comprando aqueles suplementos.
Leandrinho foi o camisa 10 em boa parte da passagem de Vini Jr pela base do Flamengo.
A parceria deles se estendeu para as seleções de base, com convocações para a sub-15 e sub-17. Mesmo naquele período de amadurecimento como jogador, o meia via no colega o potencial para se tornar um dos melhores jogadores do mundo.
– Você pode falar com qualquer um da geração, todo mundo já sabia que ia ser diferente. Era muito rápido, inteligente e nunca teve medo do um para um. É diferenciado, foi o melhor que eu joguei. Quando ele subiu para o profissional, que tinha aquela transição de base, alguns falaram "ah, mas não vai ser". Eu falei: "vai ser", escuta o que estou falando, vai ser. E aí depois as coisas foram acontecendo, o cara é embaçado.
A relação esfriou de forma natural pelos rumos que a vida de ambos tomou.
Leandrinho deixou a base do Flamengo em 2018 e sequer chegou a disputar a Copa São Paulo de Futebol Júnior. Foi uma decisão tomada pelo sonho de morar e atuar fora do Brasil. Mesmo tendo proposta de renovação para seguir no Rio de Janeiro, ele fechou com o Fremad Amager, da Dinamarca.
– Na época, o Flamengo queria renovar o meu contrato, mas eu tomei uma decisão de ir para fora, que no momento ia ajudar a minha família. Por conta da correria, perdi contato com o Vini. No ano passado ele me chamou para o aniversário dele, só que eu estava aqui em São Paulo na correria e infelizmente não pude ir.
– Eu evito muito mandar mensagem, sabe? Mas quando manda a gente fica feliz também. Tenho mais contato com o Neneca (Hugo Souza), que é o goleiro do Corinthians. Tenho mais papo com o Lincoln, que a gente conversa no WhatsApp... o Vini fica um pouco mais difícil, porque eu tinha até o contato dele, mas acabei perdendo, troquei o telefone também, e aí eu não fico muito indo atrás. Deixa o cara em paz, deixa ele viver, só de ele estar bem eu já fico feliz demais – conta Leandrinho.
Mesmo sem clube e enfrentando dificuldades para se manter, Leandrinho evita falar em injustiça no futebol. O jogador admite os erros ao longo da carreira, como ter optado deixar o Brasil e não renovar com o Flamengo, mas é ciente de que o que vive atualmente é reflexo das escolhas do passado.
– Se você confia em você, você não precisa de mais ninguém. Injusto, em algumas partes, eu acho que é sim... porque às vezes você está ali se dedicando bastante e vê um amigo seu que está ali tirando um pouco mais o pé, porém tem uma pessoa que consegue ter uma voz ativa mais no clube por esses fatores que existem hoje no futebol. Então você fica meio chateado, vê a injustiça acontecer ali. Só que é aquilo, dentro de campo quem resolve é você, então você precisa estar focado, dar a sua vida e orar muito para Deus. E ter sorte – disse.
Leandrinho busca agora um novo clube para seguir sonhando com a carreira de jogador profissional, mas já pensa em uma alternativa caso não consiga uma oportunidade. A ideia é cursar Educação Física e seguir trabalhando com futebol.
– Estou com sede, sangue no olho, sei da minha capacidade. E o que preciso é de uma oportunidade. Muitas vezes a gente não entende a vontade de Deus, mas também não tem o que reclamar d'Ele, só agradecer por tudo que passei, por tudo que vivi. Estou pronto – finalizou.