Aos 95 anos, o Seu Wilson ainda vive em Salvador. Viúvo desde a partida da esposa Carmen, a saúde debilitada e a vista bem prejudicada não o impedem de reconhecer quando o filho mais famoso da casa que tinha 10 crianças chega.
— É o tetra!
O título mundial de 1994 não define, mas representa José Roberto Gama de Oliveira, que completa 60 anos neste dia 16 de fevereiro. Nos EUA, Bebeto fez dupla inesquecível com Romário - dos 11 gols, os dois participaram diretamente de nove.
Bebeto lamentou a relação estremecida com o antigo parceiro. Ele também se emocionou ao lembrar da morte do irmão em 1984, no seu início no Flamengo, e revelou histórias inéditas de uma briga com Telê Santana que ele diz tê-lo tirado da Copa de 1986.
O futebol surgiu na sua vida muito cedo, você tinha irmãos que jogavam. Mas como foi esse início?
— Comecei a jogar com cinco, seis anos com meus irmãos, com bola de meia. Em casa, na rua, nos campos de barro da Bahia, em Salvador. E começou também na Copa de 70. Eu comecei a falar “um dia eu vou estar aí”. Comecei a sonhar. Por causa de Pelé, Tostão, Clodoaldo, aquele time de 70 fantástico. Ali eu comecei a me empolgar mais ainda. Não tinha nem TV a cores, era uma luta danada. A gente colocava aquele papel verde, vermelho na TV.
O primeiro time de garotos foi perto de casa?
— Eu nasci no Hospital Militar, na Ladeira dos Galés, no bairro de Brotas. Eu jogava futebol ali de bairro, no Vale do Bonocô. Tem um viaduto e embaixo a gente jogava. E o time era Vasco da Gama, eu jogava com a 10 era o artilheiro do time. Meu irmão, o China, jogava no Bahia, e aí ele me levou ainda no Dente de Leite. Mas eu sempre fui Vitória. Era um cara apaixonado pelo Vitória. Ia para a Fonte Nova ver o Vitória jogar. Era torcedor mesmo, fanático mesmo. De ficar esperando o portão abrir para pegar aqueles cinco minutos finais que liberava na Fonte Nova.
Nas fotos, dava para ver que você era muito franzino. Sofreu para começar?
— Eu eu era realmente magrinho para caramba e não acreditavam quando me viram. Aí o meu irmão disse: “eu só quero que você bote ele para jogar, Delmar (Santana, técnico da base no Bahia)”. Eu era o menor da turma com que eu jogava e era o único que jogava com adultos. Quando fui jogar com os meninos, cara, pô aí... O treinador ficou doido. Eu era meia. Meu irmão era meia-esquerda, eu jogava na direita. Aí acabei com treinamento, né? Aí falaram: “Chininha, meu Deus, por que você não trouxe esse menino logo?” Arrebentei com o treino, mas com aquela cabeça sempre no Vitória.
Teu primeiro contrato foi com o Bahia?
— Deram um contrato para meu pai assinar. Meu pai cobrava muito: “Tem que estudar, menino”. Ele era corretor de imóveis. Às vezes a gente estava jogando bola ele tirava a gente: “Vai, menino, vocês têm que estudar”. O Bahia não dava ajuda de custo e o negócio apertou. Eu pegava três ônibus, aí o cara (cobrador) deixava eu passar, que eu era muito magrinho, né, ele falava “se passar na roleta só paga meia”. E aí eu passava, mas o negócio ficou difícil. Era só minha velhinha (mãe) que dava dinheirinho, né, porque meu pai falava: “não, vai estudar, tem que estudar”.
E o Vitória surgiu como?
— Tinha um amigo, o Edna, que jogava no Vitória. Ele levou o treinador João Paulo Pinguela para ver a gente jogando o baba, que é a pelada na Bahia. Aí fui fazer teste no Vitória sem falar com o Bahia. O Pinguela me viu sem camisa: “rapaz, é muito magrinho. Será que ele tem condição de jogar?” “Você não viu lá, cara?” O meu short vinha aqui (aponta para os pés), a camisa eu enrolava e amarrava no short. Eu entrei, participando do coletivo do juvenil, porque na época não tinha sub-15, sub-17. O juvenil era o sub-20 e eu estava com 15 para 16 anos.
— Primeira bola que eu peguei assim, bateram o escanteio, fiz que ia bater, tinha várias pessoas assim na frente, zagueiro, todo mundo esperando, aí eu dominei e meti um totózinho por cima do goleiro. Poxa vida, aí eles: “esse menino é diferente demais. Vamos assinar o contrato, leva para o pai assinar”. Era um papel rosa o contrato. E foi uma luta, rapaz. Meus amigos foram lá, “seu Wilson, esse menino vai jogar na Seleção, você não pode atrapalhar a carreira dele”. Fico até arrepiado!
Ele era rigoroso demais?
— Ele pegava no pé mesmo, não só de mim como dos meus irmãos também, né? E meu irmão sabia (do potencial). Eu não queria ir para o Bahia. Sempre fui Vitória. Mas depois a gente vai virando atleta mesmo, profissional. E aí é outra cabeça. Mas o meu pai assinou o contrato. Teve um jogo que fomos campeões em cima do Bahia no júnior, com 16, 17 anos. Aí os repórteres na Bahia falavam “esse menino é diferente demais”. Aí o Aymoré Moreira (nota da redação: baiano, treinador campeão mundial pela Seleção em 1962) me chamou para a seleção baiana. Eu jogava no Vitória de tarde e futsal de noite. Aí o presidente do Vitória, o Paulo Magalhães, chegou para o presidente da federação baiana: “esse José Roberto Gama de Oliveira, do futebol de salão aqui, é o nosso Bebeto?” Ele descobriu e me cortou do futsal. Ele era sobrinho do Antônio Carlos Magalhães. Sou muito grato a ele, porque quando apareceram essas propostas para vir para o Rio de Janeiro ele não me segurou. “Meu filho, levanta voo porque você vai ganhar o mundo”.
O Flamengo foi quem te procurou primeiro?
— O primeiro foi o Vasco (risos). O Vasco chegou com uma proposta de dar dois jogadores e mais uma compensação em dinheiro. Aí o Flamengo veio e pagou o dinheiro que o Vitória estava precisando. O Paulo (presidente) falou comigo: “A gente vai liberar você, mas tem que ser com dinheiro. A gente não quer dois jogadores”.
— O Aymoré Moreira dizia para a imprensa: “Olha, curta bastante esse menino aqui porque ele não vai ficar aqui, não. Vai embora rapidinho” Aí não deu outra, né? Foi quando apareceram essas propostas. O Vitória acertou com o Flamengo, e eu sempre fui Flamengo também. Sempre tive Zico como meu ídolo. E o Vasco era Roberto Dinamite. Então eu acho que qualquer um que viesse eu estaria satisfeito.
Como foi essa mudança da Bahia para o Rio?
— Cheguei muito magrinho, tinha 53 kg. Fiz um trabalho com José Roberto Francalacci. Ele foi o cara que me preparou para jogar profissionalmente. Ele fez o trabalho que fazia com o Zico. E eu fui recebido pelo Zico, por aqueles caras que fizeram história no Flamengo. Leandro, Mozer, Andrade, Adílio, Junior... Foi uma emoção muito grande. No cinema lá na Bahia, a gente via muito o Canal 100.
Quem foi o primeiro treinador que te levou para a seleção brasileira?
— De garoto foi o Jair Pereira. O professor Jair foi para a Bahia assistir ao Ba-Vi. Você sabe que jogador do Nordeste ser convocado para a Seleção era uma luta. Mas tinha um rapaz na rádio da Bahia chamado Marco Aurélio. Ele falava muito de mim e eu pensei antes do Ba-Vi: “é a minha oportunidade agora”. Mas por incrível que pareça aconteceu um desastre de helicóptero.
— Morreram 14 pessoas e, entre eles, Clériston Andrade, que ia ser o governador da Bahia. Então foi luto em Salvador e foi cancelado o Ba-Vi. E eu fiquei falando com meus irmãos: “o que que eu vou fazer? Como é que eu vou mostrar meu futebol para esse cara?” Mas aí o professor Jair me convocou sem me ver jogando praticamente. Aí eu vim para cá, para o Rio, ficava ali no Atlântico Sul (zona oeste), na Barra da Tijuca. Era tudo mato ali, só tinha esse hotel na ponta da praia.
Foi a primeira vez no Rio, como foi sua impressão?
— Rapaz, era tudo novo para mim. Eu fiquei meio assustado, né? Principalmente quando eu cheguei ali na Avenida Brasil: “caramba, que negócio grande é esse?” Eu fiquei desesperado, mas meu irmão estava ali do meu lado. Ele ia pegar um ônibus e ia encontrar comigo lá no Atlântico Sul. Era muito mato ali, só tinha uma estrada que era mão dupla. Ele estava em Copacabana. Mas aí fomos campeões sul-americano, e o professor Jair me deu a logo a 10.
Você já estava no Flamengo ali na final do Brasileiro de 1983?
— Estava no grupo contra o Santos. Eu subia para o profissional e descia (para a base). Aí chegou Carlos Alberto Torres e me efetivou no profissional. “Não quero que ele desça mais para o júnior”. Eu jogava de meia. Mas o professor Carlinhos, o Violino, falou: “Vou colocar você de atacante. Estou vendo que você finaliza muito. Não posso perder esse potencial que você tem de fazer gol. Quero você mais próximo ali da área. Deixo você liberado para cair no meio também, mas eu quero você ali na área na hora de finalizar”.
— Aí teve a a final contra o Vasco nos juniores. E a base da seleção brasileira era do Vasco e do Flamengo. Só fera. Ganhamos de 4 a 1 e eu fiz dois na final, foi no Caio Martins. No profissional, meu primeiro gol foi com passe de Junior em cima do Abel, o Abelão, zagueiro. Ele estava no Goytacaz. Foi legal porque o Abel falou para mim e eu garoto, uma criança: “Fica tranquilo. Joga seu futebol tranquilo”. Não me deu uma pancada e dizem que Abelão chegava junto mesmo (risos).
Você apanhava muito, principalmente nesse início. Houve algum episódio que te marcou?
— Toda hora... Eu não guardo mágoa de ninguém. Mas tinha um jogador, cara... o Fernando, zagueiro. Estava no Santos, era um Flamengo e Santos no Morumbi.
— Poxa, ele me deu um soco, eu parado assim esperando a bola assim. Eu usava aparelho. Eu fiquei tonto, quase perco o meu dente. A pancada foi muito forte. Querendo me intimidar. Na época teve até o Lino, que era um baiano que jogava no Santos, um cabeludo, jogava demais. O Lino ficou revoltado com ele. E o Mozer, meu irmãozinho, “cara, vou te pegar, vou te pegar”.
— Ele ficou doido, ficou transtornado. Todos jogadores eram meus irmãos. Zico, Leandro, Andrade, Adílio, depois do que aconteceu com o meu irmão. Se eu não tenho esses cara ali do meu lado eu tinha parado...
O seu irmão morreu num acidente de avião logo depois que você chegou no Rio, né?
— Eu comecei morando na Praça Seca. Era onde era a concentração do sub-20. Só que lá a gente estava acordando muito cedo, 4h, 5h da manhã para a gente ir pegar o treino, o ônibus ia lotado. E para meu irmão ficava difícil me ver. Aí pedi ao Flamengo para deixar meu irmão morar na concentração dos profissionais. Eu estava indo para o profissional. Aí foi melhor para mim, fiquei mais próximo do meu irmão. Aí a gente já morava em frente ao Fashion Mall, naquela casa ali que o Flamengo tinha a concentração. Eu atravessava ali, a gente ia no Bob's. Aí depois a gente arranjou um fiador e fomos para Copacabana. Para morar com meu irmão mesmo. Era um apartamento que era uma sala que era quarto, aquela coisa bem pequenininha mesmo. Mas só de estar com meu irmão já era uma alegria muito grande. Aí em 1984 que aconteceu isso, o acidente que matou meu irmão (Nilton), e o Figueiredo, jogador do Flamengo na época. Contar essa história é sempre muito difícil. O mano foi tudo aqui para mim.
Você voltou para a Bahia nesse momento?
— Ah, quando ele faleceu eu fui embora. Não queria voltar mais não... (se emociona). Eu larguei. Aí o (George) Helal foi lá, convenceu minha mãe, meu pai. E eu já tinha comprado a casa para ela em Salvador. Mas minha mãe falou comigo: “Era a coisa que o seu irmão mais queria, era ver você brilhando no futebol. A gente vai com você, vai todo mundo”. Meu irmão ia para o Maracanã, na preliminar, e eu escutava os gritos dele: “Bebeto, Bebeto, esse é fera!”. E minha mãe falou: “A gente vai com você. Vai todo mundo”. Graças a Deus o mano já tinha comprado a casa, já tinha deixado praticamente tudo pronto. E ele falava que ele não ia morar na casa. “Aqui vocês vão morar, mas eu não vou morar não”. Parecia que ele já estava adivinhando o que ia acontecer.
O acidente foi num avião monomotor, em Friburgo (RJ), né?
— Isso. Todo final de ano a gente ia para Bahia, ia Leandro, Mozer, Figueiredo. A gente se organizou para ir de carro, ele ia levar meu carro para a gente não ficar sem lá. Aí conheceram um piloto lá, ele disse “não, não, vou de avião e tal, a gente vai economizar. A gente dá um jeito, o Leandro está levando o carro, a gente fica lá com o carro de Leandro”. E eu já tinha viajado para Santana, no interior da Bahia. De Salvador para lá dá 8h, 9h. Minha mãe ligando toda hora, porque o avião estava perdido, estava demorando muito, que já era para ter chegado. Eu já estava lá em Santana e ele não tinha chegado em Salvador. Aí já entrei em desespero já... Não quero nem lembrar mais. Machucou muito.
Vamos falar de Seleção. Você tinha esperança de ir para a Copa de 1986?
— Em 1986 a torcida pedia meu nome. E Telê era aquele cara: se a torcida pede, ele não bota. De jeito nenhum. Ele era teimoso. Era para eu ter disputado a Copa tranquilamente. O time não estava bem, mas ele não me botava, cara.
— O último jogo (antes da Copa) foi no Morumbi. Ele não me botou, eu doido para entrar. Aí eu fui falar com ele, sabe, de sentir que estava bem, que tinha condição de jogar. E disse: “Não me convoque, não (para a Copa), porque eu não entrei em nenhum jogo. A torcida pedia e você não me botava.” Ele falou: “Eu ia te levar, mas agora não vou te levar mais não.” Ninguém sabe disso. Pô, tinha sido campeão com o Flamengo, artilheiro, fazendo gol para caramba. Eu até me estranhei. Sempre fui um cara tranquilão, muito na minha. Nesse dia me deu uma louca.
Você teve também episódio com o Carlos Alberto Silva. O que aconteceu entre vocês?
— Ele foi um pai, ele falou coisas que eu precisava ouvir. Ele me tirou de um jogo assim, do nada, saí por sair. Fiquei louco com ele. Foi lá na Bolívia, num pré-olímpico que fomos campeões. Ele me deu um corretivo. Falou tanta coisa assim que foi importante para caramba. Tomei a dura, de um pai dando dura no filho. Ele falou para caramba e eu tive que ficar de cabeça baixa.
Na Copa de 1990, você praticamente não joga. Como foi aquela experiência?
— Eu não joguei, né (risos)? Acho que quem perdeu de me colocar lá foi o Lazaroni. Ele foi meu treinador, era preparador físico da gente. Ele que botou esse apelido em mim de cabritinho, porque eu era muito rápido. Eu estava voando, melhor jogador da Copa América, artilheiro da Copa América. Eu tinha certeza que a gente ia ajudar muito.
— Só que ele fez uma reunião lá, falando que cada um tinha sua dupla. Careca e Muller. Bebeto e Romário. Aí eu disse: “Pô, Laza, desse jeito não vou jogar”. O Romário está chegando de uma cirurgia, machucado, não sabe nem se vai jogar. Você tá dizendo que a minha dupla é eu e ele…” E ele (Lazaroni) tinha razão. Mas eu joguei com o Muller, joguei com o Careca, as Eliminatórias (de 1994) praticamente foi assim. A gente se entendia bem. Mas Bebeto e Romário era uma coisa assim de Deus. Muito forte.
Depois do título da Copa América em 1989, vocês acharam que seriam titulares na Copa da Itália?
— A gente esperava isso né? Só que o Baixinho se machucou, pô. Aí vai para a Copa do Mundo, ele convocado, mas, poxa, recém-operado... colocou placa, platina no tornozelo, ele fazendo de tudo para se recuperar. Mas a gente sabia (que não dava). Veio primeiro jogo, eu praticamente não entrei, joguei, quatro, três, cinco minutos.
— Eu ia jogar contra a Costa Rica. E não ia sair mais. Tinha feito uns quatro, cinco gols no treino. Aí num coletivo contra um time lá da Itália ele iniciou comigo e com o Romário na frente. A gente arrebentando, mesmo ele mancando. Aí meteram a bola para mim do meio aqui, o Zé Carlos saiu, fiz que ia pegar na bola, deixei passar, igual aquele lance do Pelé em 1970, mas o Zé saiu com o joelho e me deu uma pancada. Eu só lembro do vestiário que tive vertigem, queria desmaiar, a dor era muito forte. Lembro quando o Romário chegou: “vamos, é nossa oportunidade”. Depois apaguei, era muita dor, insuportável. Fui para o vestiário, comecei com gelo, meu joelho inchado. Aí o Laza veio: “perdi meu melhor atacante”. Eu disse: “agora que você veio falar isso para mim?”
— Tomei anti-inflamatório, analgésico e gelo o tempo todo. Mas travou meu joelho. Aí acabou a Copa do Mundo para mim. Aí jogou Romário e Careca. E eu na tribuna vendo o jogo. Mas o Romário, coitado, mancou muito, quase não tocou na bola, tentando na força, na raça. Foi guerreiro. Mas no outro jogo nem no banco ele foi. Eu e ele na tribuna de honra. E lembro que pensei: “poderia ser a última”.
Por isso se torna tão especial 1994? Tinha a sensação de “chegou a minha vez”?
— Aquele grupo era preparado para ser campeão mundial. Porque todo mundo queria entrar para a história. O Evandro Mota fez uma fita chamada “Superação”. Essa fita foi muito importante para a gente. A gente se fechou. "Ninguém escuta negócio de imprensa, não pega jornal. Vamos nos fechar e conquistar porque essa que pode ser a última chance de todos nós". Como poderia ter sido né.
Mas você ainda foi em 1998.
— É, lá só não ganhamos porque infelizmente houve o problema do Ronaldo, que terminou afetando. Porque o nosso time era melhor do que a França. A gente poderia jogar dez partidas, ia perder aquela e ia ganhar nove. Porque nosso time era bem superior do que o da França. Infelizmente, essa preocupação com o Ronaldo e depois ele veio para jogar. Foi uma loucura.
Em 1998, muita gente achou que o Edmundo seria titular depois do corte do Romário. Como foi aquele momento? Ele deu entrevista na época até. Você ficou chateado?
— Com Edmundo? Não, nunca. O problema do Edmundo não foi esse. Problema dele foi na final. Ele ia jogar. Antes, teve aquela coisa ali, mas... Edmundo é pessoa tão boa, dentro de campo é aquele cara explosivo, estourado. Mas fora dele é uma dama. E como é que eu posso brigar com um cara desse? Eu já tinha experiência de ter ganhado um campeonato mundial. Se o Zagallo optasse por ele, eu estava ali para ajudar, para ser mais um. Só sei que eu me preparei muito, joguei muito nos treinamentos.
— Mas o Edmundo ia jogar a final. O Zico e o Zagallo vieram até mim: “A gente está pensando em botar o Edmundo para jogar ao teu lado”. Eu falei: “Pode botar, eu já fiz dupla com Edmundo, fomos muito bem no Vasco”. Peguei o Edmundo começando. Eu falei para ele: “vai jogar você, a gente vai ganhar e vai dedicar esse título para o Ronaldo”, no hotel. Ele me abraçou: “vamos ganhar, Beto”. Aquela vontade que ele tava. O Ronaldo já não estava mais ali, tinha ido fazer os exames. Foi uma loucura, para esquecer nunca mais. E aí todo mundo de roupa trocada, e o Ronaldinho entrou...
Como ele estava?
— Ronaldinho entrou chorando, querendo falar com Zagallo. “Zagallo, por favor, me deixa jogar. Joguei a Copa do Mundo toda. Você vai me deixar fora da final? Não faça isso”. A gente ficou assim... E foi a única vez que eu vi Dunga cabisbaixo. Meu capitão, que é garra o tempo todo, ainda mais ali na final. Sei que quando foi reunir lá o pessoal, o presidente da CBF, médicos, os exames todos normais. A gente ficou sem entender nada. Aí o Edmundo, que estava do meu lado assim, falou: “vai sobrar para mim isso, Beto”. E eu: “calma, fica tranquilo e tal. O importante é que o Ronaldinho está bem”.
Quem que deu a notícia para o Edmundo?
— O Zagallo veio na direção da gente: “Edmundo, você vai esperar um pouquinho, você vai entrar depois. Vai jogar o Ronaldo”. Ele ficou chateado, né, tirou a camisa assim. Normal né. Estava motivado. E aí teve a preleção, Zagallinho chorando, “vamos dedicar para o Ronaldinho”.
Como está sua relação com o Romário? Recentemente, vocês brigaram, por entrevistas.
— Rapaz, até triste a gente falar isso. A gente tem uma história linda, cara. Ninguém vai apagar isso. Eu sempre respeitei o Romário. Um cara que eu sempre tive muito carinho. Vocês, da imprensa, falavam que a gente brigava, a gente nunca brigou naquela época que a gente jogava, a gente nunca discutiu. Pelo contrário, antes de começar os jogos, a gente sempre falava um para o outro tipo um: “já sabe né. Fica tranquilo”. Só no olhar a gente já se entendia. Infelizmente, agora, a nossa relação está estremecida um pouquinho. Principalmente da minha parte porque que eu achei que ele não tinha razão para isso. Pelo contrário quem tinha que ficar chateado era eu. Infelizmente por culpa de política. Ele era do Podemos (partido), ele me levou. Aí ele foi embora do partido e nem me avisou. Eu só fui para o partido por causa dele. Eu fiquei, fui eleito para deputado estadual, ele veio candidato a Governador. E tudo bem. Vida que segue, a gente continuou se falando. Ele foi para outro partido e não me avisou também.
— Tranquilo, eu não vou jamais misturar política, pô. E essa vida é tão curta, passa tão rápido tudo. Eu fazendo 60 anos. Aí o Baixinho foi embora, seguiu outro caminho, outro rumo. “Beleza, pô”. Sem problema. O que eu sinto por ele, o respeito que eu tenho por ele... nós somos maiores do que tudo isso aí.
— Eu tive que buscar outro caminho. O André Ceciliano foi um dos maiores presidentes da Alerj (assembleia legislativa do Rio de Janeiro), ele sempre esteve do meu lado me ajudando. E o Romário misturou as coisas, falou de mim, disse que eu sou traidor. Pô, traidor é coisa muito forte. Jamais vou trair alguém, sempre tive todos com muito amor, muito carinho. Então aconteceu isso. Nossa relação hoje está assim, infelizmente. O Romário está brigando com todo mundo. Brigou com Zagallo, brigou com Zico, Edmundo, comigo, brigou com o Dunga, cara, que era parceiro dele também.
Recentemente, viralizou um futebol de 5 jogado em Buenos Aires em que você arrebenta com o jogo contra o time do Maradona. Você viu isso?
— Todo mundo mandou para mim. [Fiquei] muito emocionado porque Maradona era o cara. Para mim também foi um dos maiores que eu vi jogar. Ele falou para mim: “Como é que você conseguiu fazer isso no espaço tão curto, tão pequeno aqui? Você botou a gente na roda, cara. Tive nem ação”. Se eu não me engano, fiz seis gols (nota da redação: foram cinco). A gente ganhou de 7 a 4. Branco fez gol numa jogada minha que eu dei de calcanhar para trás, outra que eu fiz um corta-luz. Fiz que ia bater, deixei, o Branco chutou de efeito.
Você jogou contra o Maradona quando ele era do Sevilla?
— Sim, sim, ele sempre me deu muita moral. Jogamos Sevilla e Deportivo, aí o cara perguntou: “e esse duelo aí com o Bebeto?” Ele disse: “O Bebeto é o melhor jogador do campeonato, é o artilheiro do campeonato. O que é que vou falar do Bebeto? Ele é o melhor.”
Você marcou a história do La Coruña, mas o título escapou ali em 1994. Como foi?
— Nós empatamos em pontos com o Barcelona. Aquilo ali para a gente já foi uma vitória. Só que nós tivemos a oportunidade de matar o campeonato logo. Tivemos cinco jogos em casa que não poderíamos deixar terminar empatado. Terminou empatando e na última rodada jogamos contra o Valencia. Eles entraram, e o Barcelona deve ter... (eles) não passavam do meio do campo. E a gente em cima, tentando criar jogada. Foi aí que aconteceu o pênalti. Eu meti a bola para Nando.
— Só que o campo estava sempre muito pesado de lama, no Riazor. E os caras ainda molhavam o campo ainda. Eu jogava de trava de alumínio. E nesse dia teve o pênalti. O Djukic, um dos maiores líberos que eu vi jogar na minha vida, muito bom jogador, no treinamento não perdia um pênalti. A gente perdia três, quatro. E o Zico sempre disse uma coisa para mim e eu acreditei: tudo é treinamento. Trabalhar, trabalhar, trabalhar.
— Eu tinha tido uma ruptura no adutor e eu fiquei sem treinar. O Djukic foi sem medo. Eu disse: “está bem?”. “Estou”. Ele foi, pegou a bola, bateu e perdeu. Mas a gente já tinha perdido o campeonato... Outros pênaltis que não apitaram, foi uma loucura.
— A gente competindo com o Barcelona e com o Real Madrid, velho. No primeiro jogo contra o Real Madrid, o Ricardo Rocha até jogou, ganhamos de 3 a 2, eu fiz os três gols. Aí veio o Barcelona, e eles (Deportivo) tinham medo de jogar contra o Real Madrid e contra o Barcelona. Eu falei no vestiário: “está vendo que podemos ganhar desses caras?” Veio o Barcelona, 1 a 0 e eu fiz o gol e conquistei todo mundo ali. Aí não teve jeito. Bati todos os recordes na Espanha, sou maior artilheiro da história do Deportivo, fui artilheiro do campeonato espanhol (1992/1993, com 29 gols), fomos campeões da Copa do Rei, fomos campeões da Supercopa em cima do Real Madrid. Ano passado fizeram homenagem para mim e para Mauro (Silva) em que chorei muito. Fiquei muito emocionado, o estádio todo gritando nosso nome.
Lá no pênalti, pelo La Coruña, a torcida queria que você cobrasse, né?
— É, mas a torcida nem falou... Porque o Djukic era impressionante. Eu não vinha batendo, porque quando eu me machuquei eu não estava treinando. Era o Donato e o Djukic. Eram dois caras que nunca perdiam. O Donato tinha sido substituído. Eu tinha batido contra o Aston Villa, em casa, não tomei muita distância justamente para não forçar o adutor. Bati, senti a fisgada e perdi o pênalti. E aí [contra o Valencia] o Djukic mudou a característica dele de bater e perdeu. Eu poderia ter perdido também. Tinha muita lama ali, muito encharcado. Ele bateu fraco, o goleiro perdeu. A gente em cima, bola na trave, a bola não entreva. Eles ficaram o tempo todo atrás. Você via que era uma coisa assim: “Eles receberam alguma coisa”, eu falava. “Deve ter recebido, pelo amor de Deus”. Mas a torcida aplaudiu como se a gente tivesse ganho o campeonato. Perdemos no saldo de gols.
Como foi a tentativa do Barcelona de contratar?
— Lembro na época, o presidente me chamou: “eu não posso vender você. Se eu vender a torcida vai me matar”. O seu Augusto Cesar Lendoiro: “Como eu vou tirar você daqui? Não tem como”. Eu disse: “bom, então melhora o meu contrato aí, poxa”. Foi uma melhoria assim, uma coisa impressionante. Passei a ganhar como os melhores jogadores da Europa ganhavam na época.
Foi o melhor contrato da sua vida? Muito mais do que no Vasco, que foi um valor alto para a época?
— Ah, foi, foi. Se bem que eu ganhava aqui no Vasco quase a mesma coisa que eu fui ganhando lá. Aqui no Brasil ninguém pagava isso. E aí eu fui. Fiz uma história linda no Vasco da Gama também. Tenho muito carinho por aquela torcida também. Mas eu sou Flamengo. Não tem jeito, o Flamengo faz parte da minha vida. Foi o clube que me projetou junto com o Vitória.
Você já falou muito da saída do Flamengo para o Vasco. Hoje, como reflete sobre tudo que passou?
— Eu nunca pensei em sair do Flamengo. Quando meu irmão faleceu, aquele pessoal ali me abraçou de uma maneira que não esqueço nunca mais. Adílio me pegava, me levava pra a casa dele, para o shopping, a gente saía. Mozer me levava para almoçar na casa dele. Os caras toda hora me tiravam de casa para eu não ficar pensando. Nos treinamentos aquela alegria, brincavam comigo o tempo todo. Mas teve uma época, quando renovei meu contrato, o presidente (do Flamengo) me deu 10 (notas) promissórias.
— E quando meu irmão faleceu eu trouxe todo mundo, todo mundo veio comigo, eu tinha comprado uma casa na Barra, em 1984. E eu precisava pagar a casa. Tinha 10 promissórias e cada mês que vencia eu botava para pagar a casa. Mas não tinha fundo. Isso foram 10 vezes. Aí foi que apareceu José Moraes. Ele foi meu procurador depois da morte do meu irmão: “meu garoto, eu vou adiantar você para você não ficar nessa preocupação da sua casa. Depois você me paga”. Demorou muito para Flamengo me pagar. Então quando apareceu essa coisa do Vasco, eu estava disputando a Copa América, concentrado na Granja Comary.
— E aí o Zé falou: “tem uma proposta aí para você”. Antes disso eu já tinha tido proposta do Bayern de Munique, da Juventus. E eu já tinha praticamente um pré-contrato assinado com o Vasco. Antes, eu perguntava qual era o clube, o Zé não me falava. “Pô, vai te dar tanto, tanto". Se eu não me engano eram 600 mil dólares na época”.
E tinha também uma casa que o Vasco te deu?
— Isso, eles iam comprar uma casa para mim porque eu estava aqui em busca de outra casa com a minha esposa. Casamos em 1987 e eu busquei uma casa do lado da minha mãe. Aí quando o Zé me falou: “É o Vasco”. Aí eu fiquei assim: “pô, o Vasco...” Aí eu voltei na minha primeira época lá na Bahia, quando o cara veio me falar que tinha um clube querendo me contratar do Rio e era o Vasco.
E existia o que se chamou na época de assédio do Eurico contigo na concentração da Seleção?
— Não, seu Eurico não me assediava. Ele sempre me tratou com muito carinho e a minha esposa também. A gente sempre teve muito carinho por ele mesmo jogando contra. E ele falava: “um dia eu vou trazer você, um dia você vai jogar no Vasco”. E nesse time da Bahia, quando eu comecei a brincar, jogar aqueles peladas, meu time era o Vasco. Eu jogava com a 10 e meu avô se chamava Vasco da Gama. E eu tinha um carinho pelo Vasco por causa do Roberto Dinamite. E quando eles foram lá, do Flamengo, na Granja, eu disse para o Zé: “Vou desistir, me deixa no Flamengo mesmo”. Zé disse: “não, já dei a minha palavra. Se você quiser, você fica e eu estou saindo, toca a sua vida aí. Quando o homem dá a palavra tem que cumprir. Dei a minha palavra ao seu Eurico e ao Vasco”. Aí falei com Deni (Denise), ela disse: “O que você decidir, estou contigo”. Mas foi muito difícil.
Na época, o Márcio Braga disse que tinha que te marcar com violência e tudo. Você lembra?
— Eu lembro, lembro... A verdade é que se eles me dessem a proposta que eu tinha nas mãos... Helal fez tudo para renovar comigo. Teve uma hora que eu fui conversar com o Helal e não levei nem meu procurador: “Olha, me dá a metade que eu fico aqui”. Ele: “meu filho, por mim já tinha dado o que você merece receber. Pela metade, então, já tinha assinado agora contigo”. Só que ele saía da sala, ele ia falar com Gilberto (Cardoso, então presidente do Flamengo). Gilberto deve ter falado que não tinha nada não, porque tinha falado com Calçada. Só que Eurico já tinha acertado tudo. Aí depositou os 2,5 milhões e eu fui.
E logo no primeiro clássico, vitória do Flamengo e você, expulso. Foi pesado esse jogo para você?
— Você já falou tudo. Eu fui expulso. Eu e o Zé Carlos, que era um irmão que o futebol me deu. Que Deus o tenha em um bom lugar.
Você estava totalmente fora do prumo nesse jogo, não?
— Total... Zico jogando, meus irmãos Zinho, Junior. Só para ter ideia eu fui expulso com meu irmão (Zé Carlos). Ele saiu do gol, foi chutar bola que estava no meio de campo e eu fui pegar a bola para sair logo rápido. Aí ele veio, eu tirei a bola e botei a sola. Que coisa horrível.
— E o pior de tudo foi na despedida do Zico. Eu disse para o Zico, “claro que eu vou”. Aí entrava jogador por jogador, o cara anunciava: “Bebeto”. Quando chegou na minha hora foi uma vaia assim... pô, fiquei muito triste. Tinha um carinho tão grande pela torcida do Flamengo. Tinha não, tenho. Faz parte da minha história. Mas mesmo assim entrei, brinquei, eu joguei para caramba na despedida do Galinho. Joguei muito. joguei muito eu disse: “ah, é... vocês vão sentir saudade então”.
E você jogou muito no Vasco também.
— Joguei muito no Vasco também. Eu cheguei e me machuquei, tive uma lesão que eu fiquei quase seis meses parado. E a torcida do meu lado o tempo todo: “a gente está te esperando, seja qual for a hora a gente vai te esperar”. E ficava naquela coisa de dar alegria para essa torcida. E fomos campeões brasileiros, foi maravilhoso mesmo. Eu tinha que jogar ali, eu entrego a minha vida muito a Deus.
Que tipo de ameaças você sofreu?
— Ligavam para a minha casa. Seu Eurico botou 10 seguranças para ficar do meu lado o tempo todo. Eu ia para o treino com 10 seguranças. Eram dois, três carros. Um me seguindo, um na frente, dois atrás. Eu ficava... ameaçaram filho meu, minha esposa. E família é a base de tudo, meu alicerce, minha vida, minha história. E foi muito triste, mas depois a gente fui acostumando. Aí depois veio ver o gol que ganhamos de 4 a 1 do Flamengo, eu meti dois. Eu sou profissional, né? Tenho que honrar a camisa que eu estou vestindo ali naquele momento.
- A verdade é que na época (no Flamengo) não me deram valor. Eu lembro muito bem que o Galinho falou, eu lembro muito bem porque ele contou isso para mim. Ele falou: “eu subi para a diretoria, quando eu vi você jogando, quando eu vi você treinando lá, eu falei 'olha, preserva esse menino. Dê moral para esse menino, porque ele tem muito talento. Ele vai entrar aqui e vai fazer história também”. Os jogadores que jogaram comigo mesmo falaram: “Tá certo, você foi buscar o melhor para você”. Precisou outro clube me dar valor, depois de todo ano sendo artilheiro, fazendo gols, decidindo partidas. Na hora que a gente esperava valorização, e aí tinha acontecido aquilo na época de 10 promissórias. Não ia arriscar a minha família, casado. Estava com filhinho já.
Para encerrar, quando a gente fala de Bebeto, muita gente lembra do voleio, mas você tinha um giro muito rápido também. De costas, conseguia deslocar o marcador. Como era essa técnica?
— O Galinho falava para mim: "olha, eu sempre fui um cara muito rápido. Eu sempre pensei muito rápido, mas igual a você, eu nunca vi não. O Arturzinho outro dia disse que eu tinha a visão 360 graus. Era uma coisa minha, eu acho que o futsal também me deu isso de rapidez de raciocínio. Você tem que pensar rápido. Eu sempre toquei de primeira, tocava e não deixava o cara encostar em mim. Era magrinho, vou deixar o cara encostar em mim? Ia em velocidade e dava uns cortes e dava aquela travada de letra. Muitos jogadores já se machucaram assim.
— Futebol me deu muitas alegrias e deixou esse presente aqui, uma prótese na perna esquerda. E vou ter que botar outra na direita. É muito voleio, muito corte rápido, mas é isso mesmo. Agradeço muito a Deus por ter me dado o dom, por ajudar minha família, por ter conseguido ser campeão do mundo.