Se há um traço que marca o início de trajetória de Filipe Luís como treinador é sua capacidade de adaptar planos e estratégias às circunstâncias de cada jogo. Domingo, na abertura da final da Copa do Brasil contra o Atlético-MG, não é exagero dizer que, em campo, aconteceu quase tudo o que o jovem treinador pensou.
A escalação do Flamengo confirmava a apuração da sempre excelente equipe de setoristas do GE. Gerson não seria um ponta partindo da direita, mas um segundo homem de meio-campo. No ataque, Gabigol seria acompanhado por dois velocistas: Plata e Michael. Havia indícios do plano. O Flamengo tentaria se adaptar ao jeito de defender de Gabriel Milito, uma marcação com encaixes individuais, que em alguns momentos do jogo se converteria num mano a mano por todo o campo. Assim, tentaria atrair atleticanos, buscar o homem livre e explorar os espaços que seriam gerados às costas da marcação. Atrair e depois atacar em velocidade eram dois pilares da ideia.
Logo o papel vital de alguns jogadores, especialmente Léo Ortiz, Gérson e Gabigol, ficaria muito claro. Quanto ao atacante, além de atacar os espaços – sua especialidade nos melhores momentos da carreira -, caberia recuar alguns metros e, de costas para o gol, acionar os velocistas nas costas dos defensores mineiros.
O primeiro aviso vem logo no início. Na imagem, a marcação individual do Atlético-MG está retratada: Otávio vigia Arrascaeta, Alan Franco está com Gérson, Arana com Wesley... No lance, Michael vem receber uma bola de costas e Lyanco o segue até o campo defensivo do Flamengo.
O passe de Michael sai imperfeito, mas Gabigol alcança a bola após deixar a linha de ataque e recuar alguns metros. Lyanco ficou pelo meio do caminho, o que evitou que Battaglia ou Júnior Alonso seguissem Gabriel, preocupados com Michael. O camisa 99 dá o passe em profundidade.
Michael ataca as costas da marcação na corrida e cria a primeira boa chance, que termina em chute à direita do gol de Everson.
Mas haveria um zagueiro com papel essencial na construção de jogadas. E este era Léo Ortiz. Os encaixes do Atlético-MG, além dos “pares” descritos acima, tinham Paulinho na vigilância a Evertton Araújo e Hulk com os dois zagueiros do Flamengo. Como Milito queria ter uma sobra em sua zaga, por razões matemáticas precisava ter “um homem a menos” marcando a saída de bola do Flamengo. Hulk se colocava entre Léo Pereira e Léo Ortiz, e este último acabava por ter algum espaço e tempo com a bola. A situação fica clara na imagem abaixo.
Aqui, acontece um “ensaio” do que se veria no primeiro gol do Flamengo. Com o avanço de Léo Ortiz, Alan Franco se divide entre Gérson – que era seu encaixe determinado por Milito – e Ortiz. Quando decide marcar o zagueiro, o meia se torna o homem livre. Mas nesta jogada Ortiz opta por um passe longo para o ataque e o lance não tem sequência.
Minutos depois, surge o primeiro gol. Léo Ortiz é novamente o homem livre no início da jogada. Mas parece ter a clara instrução de não passar a bola rapidamente. Ao contrário, a ideia era gerar uma atração, ou seja, fazer um jogador atleticano ir buscá-lo para, em seguida, gerar um novo homem livre.
Como dito acima, é Alan Franco quem morde a isca e deixa Gérson livre. A imagem a seguir mostra outro detalhe. Paulinho segue vigiando Evertton, Arana está com Wesley e Plata volta do campo de ataque para trazer Rubens com ele. Ao atrair jogadores do Atlético-MG para seu campo, o Flamengo amplia os espaços no campo defensivo dos mineiros. Na hora em que Gérson fica livre, Ortiz dá o passe.
Aí aparece outro aspecto importante da escolha por Gérson. É um jogador capaz de receber a bola de costas para o gol que seu time ataca e sustentar a pressão que recebe em suas costas, antes de fazer o passe. O fato de Gérson ter se tornado um homem livre faz Junior Alonso correr da defesa do Atlético-MG até o campo de ataque para combatê-lo. O resultado é o fim do “homem da sobra” na defesa atleticana.
Gérson sustenta a jogada até Wesley correr em diagonal, se livrar de Arana e receber a bola com muito espaço livre.
Neste momento, o Atlético-MG se vê em situação pior do que defender no mano a mano: está em inferioridade, um cinco contra quatro. A jogada terminaria no gol de Arrascaeta.
Em desvantagem, Milito dobrou a aposta. Mostrou que é um treinador valente, diga-se. Assumiu o risco de defender homem a homem por todo o campo, sem ter mais uma sobra na defesa. Paulinho passou a marcar Léo Ortiz, Otávio deu um passo adiante e o quarteto defensivo formado por Lyanco, Battaglia, Alonso e Rubens passou a marcar individualmente Plata, Gabigol, Arrascaeta e Michael. É o cenário que se vê na câmera aberta, no início da jogada do segundo gol do Flamengo.
Ortiz agora está mais pressionado, mas ainda assim consegue excelente passe. E, outra vez, aparece a orientação de um Flamengo preparado para lidar com encaixes individuais. Um jogador fazendo o movimento de apoio, ou seja, de corrida na direção da bola, enquanto outro faz o movimento inverso, infiltrando em direção ao gol. Na imagem, é Plata quem está de costas, para fazer uma “casquinha” de cabeça. Já Gabigol infiltra para finalizar. Lyanco, no alto da imagem, só se preocupou com Michael, a quem tinha que marcar individualmente. Mas não percebeu que a defesa tinha avançado e terminou por dar condição legal a Gabigol.
É fato que o plano de Milito assume riscos importantes, especialmente quando os duelos individuais não são vencidos – ou quando um adversário se prepara tão bem para manipular a marcação individual. Mas não é verdade que sua mudança de rumo na parte final do primeiro tempo não tenha tido algum efeito, talvez não refletido no placar. Ao reduzir a influência de Léo Ortiz no jogo, o Atlético-MG deixou o Flamengo menos confortável. Paulinho, de forma inteligente, encontrou um espaço para jogar ao lado dos volantes do Flamengo e conseguiu estabelecer os visitantes no campo de ataque.
No entanto, outra intervenção de Filipe Luís seria importante. Arrascaeta tinha, àquela altura, poucas pernas para ligar contragolpes. O treinador lançou Alcaraz, responsável por conduzir a bola no terceiro gol.
A entrada de Alan Kardec, com dois atacantes fortes na área, deu ao Atlético-MG um gol no único erro de Ortiz em toda a partida. Foi o lance que manteve a final aberta. Na volta, o Flamengo terá a seu favor o placar e a confiança dada por uma atuação tão boa. Já o Atlético-MG terá o campo, suas individualidades e a história de um clube que se habitual a reverter desvantagens como essa.