"Aquele Fla-Flu": veja crônicas de Mário Filho e Nelson Rodrigues que eternizaram o clássico

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Um criou o popular termo "Fla-Flu" para apelidar os jogos entre Flamengo e Fluminense. O outro, cunhou a famosa frase: "O Fla-Flu começou 40 minutos antes do nada". Irmãos e jornalistas durante o século passado, o rubro-negro Mário Filho (1908-1966) e o tricolor Nélson Rodrigues (1912-1980) cresceram acompanhando a rivalidade histórica dos dois clubes e são apontados como os grandes responsáveis pela mística e dimensão que ganhou o clássico, considerado o mais charmoso do Brasil.

E como devem estar os dois irmãos lá no céu nesta quinta-feira, dia do primeiro Fla-Flu mata-mata no âmbito nacional? Após um 0 a 0 no jogo de ida, Flamengo e Fluminense decidem às 20h (de Brasília), no Maracanã, quem avança para as quartas de final da Copa do Brasil. Quem vencer se classifica, e novo empate leva a disputa para os pênaltis.

Antes do talvez maior Fla-Flu em 111 anos de história, o ge resgatou algumas crônicas com os relatos dos irmãos pernambucanos que passaram a acompanhar o clássico após se mudarem ainda crianças para o Rio de Janeiro. O livro "Fla-Flu... E as multidões despertaram!" foi usado como base das pesquisas dos textos de Mário Filho e Nélson Rodrigues.

O clássico Fla-Flu na visão dos irmãos Mário Filho e Nélson Rodrigues — Foto: Infoesporte
1 de 4 O clássico Fla-Flu na visão dos irmãos Mário Filho e Nélson Rodrigues — Foto: Infoesporte

O clássico Fla-Flu na visão dos irmãos Mário Filho e Nélson Rodrigues — Foto: Infoesporte

Fluminense 3 x 2 Flamengo - 1912 (Nélson Rodrigues)

(...) O primeiro Fla-Flu não era Fla-Flu. Só muito mais tarde é que Mário Filho inventou e promoveu a abreviação. O Flamengo fez tudo, tudo para ganhar este primeiro jogo. Outro dia, conversei com um velho torcedor, mais velho que o século. E ele, falando fino e baixinho (como uma criança que baixa num tenda espírita), contou o que foi o nascimento do maior clássico do futebol brasileiro. O Flamengo era o time campeão do Fluminense, sem Oswaldo Gomes.

Parece que, na partida, o futebol era um detalhe irrelevante ou mesmo nulo. Os dois times davam a sensação de que jogavam de navalha na liga. E, no entanto, houve um cínico e deslavado milagre: ninguém saiu de maca, ninguém saiu de rabecão. Mas nunca se vira, em campo de futebol, ferocidade tamanha. E o Fluminense venceu.

Vejam como, histórica e psicologicamente, esse primeiro resultado seria decisivo. Se o Flamengo tivesse ganho, a rivalidade morreria, ali, de estalo. Mas a vitória tricolor gravou-se na carne e na alma flamengas. E sempre que os dois se encontram é como se o fizessem pela primeira vez.

Trecho retirado da crônica "Ah, o primeiro clássico".

Fluminense 3 x 1 Flamengo - 1919 (Nélson Rodrigues)

Fluminense campeão carioca de 1919 — Foto: Flu Memória
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Fluminense campeão carioca de 1919 — Foto: Flu Memória

(...) Aos oito minutos de jogo, pênalti contra o Fluminense. Ora, era uma partida que trazia, em seu ventre, o campeão. Como em 50 para o Brasil, o empate, o simples empate, daria o título ao Tricolor. Estava lá, na tribuna de honra, o Presidente da República. Até Epitácio se deixara tocar pela magia da batalha. Deve ter perguntado, baixo, ao ajudante-de-ordens: — "Pênalti? Que é pênalti?"

(...) Ora, Marcos sabe que ele é tudo. Sim, é o deus do momento. Ele vai salvar ou perder o tricampeonato. Concentração. Serenidade intensa, calma apaixonada. Nunca sua visão foi tão límpida e tão exata. Tudo vai depender de um reflexo fulminante. Ademar Martins caminha para a bola. Jamais alguém foi tão olhado como o goleiro na hora do tiro de misericórdia. Não existe mais ninguém no estádio. Nem o artilheiro da falta. Nem o juiz, que a marcou. O próprio Presidente da República tornou-se, de repente, secundário, nulo. É o Chefe da Nação, mas o pênalti fez o estadista um pobre diabo.

A própria paisagem cessa de existir. Foi disparada a bola. E Marcos defende, como se diz hoje, parcialmente. Mas "defender parcialmente" um pênalti é um milagre. (...) Mas continua o perigo. Nova bomba, à queima-roupa. Reflexo prodigioso de Marcos. O Presidente da República tem um espanto de menino. Não entende que o mesmo pênalti seja desdobrado em três.

Marcos defende a primeira vez, a segunda vez. E vem uma terceira bomba, mais vingativa, mais cruel do que as outras. Desta vez, ele se agarra e se abraça à bola como a um fado. Três defesas rigorosamente impossíveis. E ninguém percebeu, porque ninguém enxerga o óbvio, que estava, ali, o Sobrenatural de Almeida.

Trecho retirado da crônica "O Fla-Flu de 1919".

Fluminense 1 x 2 Flamengo - 1933 (Mário Filho)

(...) O amor do povo pelo Flamengo, como que secreto, desabrochou com a força de uma primavera. Deu para aparecer flamengo por todo lado. Parecia praga.

O pretexto era o Fla-Flu. Hoje ninguém acha nada demais que fosse o Fla-Flu. Mas o primeiro Fla-Flu do futebol profissional, em 33, rendeu dois contos e quatrocentos mil réis.

Era verdade que o match tinha uma mística ou foi possível criar-lhe uma mística. A da rivalidade pura que colocava, como adversários, clubes do mesmo sangue, carne da mesma carne, irmãos do esporte. E tome Fla-Flu. A CBD mandava buscar em Buenos Aires o River Plate e o Boca Juniors, contando com o público do Vasco, com São Januário que era o maior estádio da América do Sul, e com a fraqueza ou o béguin do brasileiro pelo argentino, sobretudo pelo tango e pelo futebol argentinos. No dia do Vasco e River Plate ou do Botafogo e Boca Juniors, marcava-se um Fla-Flu. A multidão ia para o Fla-Flu e o estádio do Fluminense não cabia de tanta gente. Era uma febre, uma epidemia de Fla-Flu. Ninguém estava livre dela: pegava feito visgo.

Trecho retirado da crônica "Epidemia de Fla-Flu".

Flamengo 2 x 2 Fluminense - 1941 (Mário Filho)

(...) O curioso é que desse match a gente recorda apenas seis minutos. Os gols todos já estavam feitos: 2 a 2. Pois foi como se o Fla-Flu começasse ali e durante apenas seis minutos, que não foram seis, que duraram a eternidade. Se quiserem saber como fizeram os gols, não sei de nada. Sei, sim, o que se passou depois. Parece que ainda vejo o campo do Flamengo arrebentando de gente. Decidia-se o campeonato de 41. O campeonato que se resumiu num match, o match se resumiu em seis minutos.

Quando o Flamengo marcou o segundo gol, antes mesmo que o garoto do placar colocasse o dois ao lado do nome Flamengo, a gente olhou para o relógio: faltavam seis minutos. Começou uma voz gritando faltam seis minutos e aí o Flamengo foi para cima do Fluminense. Para o Fluminense bastava o empate, para o Flamengo era preciso a vitória. O Flamengo atacava, o Fluminense jogava a bola na Lagoa. Não se tratava do recurso da bola fora. Bola fora não adiantava ao Fluminense. Noutro campo, a história desse Fla-Flu seria diferente. Bola fora volta logo, na Lagoa demorava. E o Flamengo jogou nágua (sic.) guarnições inteiras de remo para apanhar a bola na Lagoa. Parecia que essas guarnições disputavam um campeonato de remo. Apanhavam a bola, mandavam-na de novo para o campo e ficavam nágua (sic.), os remos suspensos, os músculos retesados, prontos para 40 remadas por minuto. Que outra bola havia de vir, e rápida. Enquanto o Fluminense pudesse jogar bolas na Lagoa não faria outra coisa.

Era ainda o tempo do cronometrista. O juiz não mandava no tempo, quem mandava era o cronometrista. E lá estava o cronometrista. A bola caía na Lagoa. O cronometrista travava o cronômetro. E o tempo parava. O Flamengo queria que o cronômetro parasse, o Fluminense queria que corresse. Eram duas concepções de tempo que se chocavam, irreconciliáveis. Não é possível, o cronômetro não anda. E andava, bem que andava. Para o Flamengo corria. A angústia fazia com que para o Fluminense o tempo parasse; e corresse, desembestado, para o Flamengo. Nem o Fluminense compreendia que ele custasse tanto a passar nem o Flamengo que ele corresse tanto.

(...) Era o que ia dar nome àquele Fla-Flu. Primeiro se disse que fora o Fla-Flu de bola na Lagoa. Depois se sintetizou: Fla-Flu da Lagoa. E dito Fla-Flu e dita Lagoa, já se sabia de que Fla-Flu se tratava. E nem todos os seis minutos foram de bola na Lagoa. O Fluminense acabou percebendo que quanto mais bola jogasse na Lagoa, mais o jogo se demorava em acabar. Aqueles seis minutos poderiam durar horas e então ninguém, nem do Fluminense, nem do Flamengo, aguentaria.

(...) Carreiro teve que ir embora depois de esgotar todos os recursos de cera de que dispunha, e que eram muitos. Saindo Carreiro, não adiantando mais a bola na Lagoa, como é que se ia arranjar o Fluminense com o Flamengo em cima dele, quase não o deixando respirar. Até Domingos da Guia, que não era dado a esses rasgos, fora para o ataque. E quanto faltava, sim, quanto faltava para acabar o jogo? Eis o que ninguém sabia, exceto o cronometrista e o homem do Fluminense e o homem do Flamengo ao lado dele. Além disso, nem adiantava de nada saber. Sabia-se antes que faltavam seis minutos e parecia que já tinham passado horas. Já escurecia na Gávea. Aquele Fla-Flu podia acabar de noite, não se vendo mais nada. Podia nem acabar.

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E então Romeu Pelliciari, o careca que jogava de gorro na cabeça foi para o vai mas não vai. Pegava a bola, fingia que ia, não ia, acabava indo e não a largava, prendendo-a, caminhando, correndo com ela dando voltas, alongando caminhos, avançando, recuando, tomando pela direita, descambando para a esquerda. Não o preocupava outra coisa senão gastar o tempo e realmente a bola nos pés de Romeu fazia o tempo andar. E ele não precisava correr. O importante era ter a bola nos pés, dominada, dócil, escondê-la, prendê-la. E Romeu Pelliciari fugia dos jogadores do Flamengo, evitava-os, fazia circunlóquios com a bola. A princípio não parecia cera. O Fluminense atacava. E Romeu Pelliciari nem de longe pretendia ser forward. Era como se ele jogasse sozinho. Não dava bola a ninguém. A bola era dele, só dele.

Quando o Flamengo percebeu que Romeu Pelliciari estava somente fazendo cera, – houve uma vez que ele chegou até a linha de corner e não centrou a bola, apenas voltou para recomeçar tudo de novo – cercou-o, atacou-o, procurou tomar-lhe a bola de qualquer maneira. Mas o tempo andava e, de repente, sem que ninguém mais esperasse, o cronometrista apitou e Juca abriu os braços e os levantou e fez assim, cruzando-os no ar. Era o fim. Ainda me lembro de um gemido que ouvi, de quem dá o último suspiro, olhei e vi uma senhora, já idosa, que escorregava da cadeira, já desanimada. Aquele gemido, aquele desmaio tanto podia ser de alguém do Fluminense, como de alguém do Flamengo. E sendo assim eram o próprio Fla-Flu.

Trecho retirado da crônica "O Fla-Flu da Lagoa".

Flamengo 2 x 1 Fluminense - 1953 (Mário Filho)

(...) São imperscrutáveis os desígnios da providência. Veja-se a diferença entre o padre Romualdo, que era do Fluminense, e o padre Góes, que é do Flamengo. O padre Romualdo, como bom tricolor, pediu licença ao Papa para entrar no Fluminense. O padre Góes não pediu licença ao Papa.

Há nove anos que o Flamengo não levantava um campeonato. De futebol, é claro. Que era o que interessava mais. O padre Góes sofria. Quando não aguentou mais, foi à Gávea e lá, sem preâmbulo, os jogadores em volta sérios como numa igreja, garantiu, em nome de São Judas Tadeu, que o Flamengo ia ser o campeão de 53.

Só que pedia que os jogadores do Flamengo ajudassem um pouco. Não custava nada ir a uma Missa no domingo de manhã, antes de cada jogo. No domingo, do presidente ao médico, de velas nas mãos, todos se ajoelharam diante do altar de São Judas Tadeu. Foi tiro e queda. Flamengo campeão.

Flamengo 0 x 0 Fluminense - 1963 (Nélson Rodrigues)

Jornal O Globo destaca o título do Flamengo em 1963 — Foto: Reprodução / O Globo
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Jornal O Globo destaca o título do Flamengo em 1963 — Foto: Reprodução / O Globo

(...) Os profetas de ambos os sexos jamais poderiam contar com a trave. No segundo tempo, Escurinho mandou uma bomba. Nenhum "goal" foi tão merecido. Pois bem: – vem a trave e salva. Além do mais que Maomé, ou que Moisés podia calcular que Solich ia fazer jogo para empate? Dirá o próprio que não foi esta sua intenção. Mas o fato incontestável é que ele armou o time para o hediondo 0 x 0.

É óbvio que, desde o primeiro minuto, o Fluminense teria de se atirar todo para a frente. Era preciso forçar a decisão, o "goal", a vitória, já que o empate seria a catástrofe. O tricolor jogou bem e, no entanto, não deu, nunca, a sensação de fome e sede de "goal". Faltavam uns 15 minutos, e os nossos jogadores ainda tramavam, ainda faziam tico-tico, ainda perdiam tempo com passes curtos, para os lados e para trás. Sim o Fluminense jogou bem e não cabe preciosismo num último Fla-Flu.

(...) Dizia eu que o profeta estava certo no mérito da questão. O tricolor é o melhor, foi melhor, teve mais time. Mas há, claro, um campeão oficial, que é o Flamengo. E, aqui, abro um capítulo para falar da alegria rubro-negra, santa alegria que anda solta pela cidade. Nada é mais bonito do que a euforia da massa flamenga.

(...) Mesmo que eu fosse um Drácula, teria de ser tocado por essa alegria que ensopa, que encharca, que inunda a cidade. Eu não sei se o time do Flamengo, como time, merecia o título. Mas a imensa, a patética, a abnegada torcida rubro-negra merece muito mais. Cabe então a pergunta: – quem será o personagem da semana de um abnegado Fla-Flu tão dramático para nós? Um nome me parece obrigatório: – Marcial. E nessa escolha, está dito tudo. Quando o goleiro é a figura mais importante de um time, sabemos que o adversário jogou melhor.

(...) Amigos, eu sei que os fatos não confirmaram a profecia. Ao que o profeta só pode responder: – "Pior para os fatos!" É só.

Trecho retirado da crônica "Continuo tricolor".

Flamengo 3 x 3 Fluminense - 1964 (Nélson Rodrigues)

(...) O frango sempre foi considerado um dos direitos intocáveis dos goleiros. E por que só Marcial, entre tantos, entre todos, não pode passar os seus?

Sim, foi ele o grande flagelado do Fla-Flu. Desde o "goal" de Ubiraci, que um locutor (rubro-negro feroz) começou a berrar para Marcial: "Dedique-se à Medicina! Dedique-se à Medicina!" Mesmo quando a bola estava na área tricolor, o estrebuchante "speaker" insistia no estribilho de Edgard Allan Poe: "Dedique-se à Medicina!" E quando Amoroso enfiou o "goal" de empate, o profissional quase esganou o microfone. Uivou como um par de hienas: – Dedique-se à Medicina! à Medicina!"

E o pior foi no terceiro "goal". Marcial ia na bola e parou. Como todo o estádio, ele ficou, como um magnetizado, olhando, só. A bola foi pererecando, até que se enfiou no canto. O "speaker" agonizou ao microfone. Com a rouquidão do ódio, bramava: – "Médico! Médico!" Diniz "médico" como quem arremessa um palavrão. Por último, arranjou uma variante. Urrava: – "Clínico! Clínico!" Muitos ouvintes tiveram a ilusão auditiva de que era "cínico, cínico".

(...) Amigos, em futebol só uma coisa é certa: – o torcedor esquece facilmente, como os índios e as crianças. Esse mesmíssimo Marcial deu o passado campeonato ao Flamengo. Ainda no primeiro tempo do Fla-Flu final, ele rolou na grama como um anjo entornado. No mesmo momento, a bola sobrou para Escurinho. Este faz a pontaria e coloca. Então, viu-se o seguinte: – Marcial ergueu-se na grama, como o talo de um lírio, . Era a chamada defesa impossível. E salvou mais dois ou três "goals" certos. Hoje, ele é chamado de "médico", é chamado de "clínico". Mas pode anunciar, de fronte erguida: – "Eu dei um título ao Flamengo".

Trecho retirado da crônica "Marcial".

Flamengo 2 x 3 Fluminense - 1969 (Nélson Rodrigues)

Amigos, a humildade acaba aqui. Desde ontem o Fluminense é o campeão da cidade. No maior Fla-Flu de todos os tempos, o tricolor conquistou a sua mais bela vitória. E foi também o grande dia do Estádio Mário Filho. A massa "pó-de-arroz" teve o sentimento do triunfo. Aconteceu, então, o seguinte: — vivos e mortos subiram as rampas. Os vivos saíram de suas casas e os mortos de suas tumbas. E, diante da plateia colossal, Fluminense e Flamengo fizeram uma dessas partidas imortais.

Daqui a 200 anos a cidade dirá, mordida de nostalgia: — "Aquele Fla-Flu!". Ah, quem não esteve ontem no Estádio Mário Filho não viveu. E o Fluminense fez uma exibição perfeita, irretocável. Lutou com a alma indomável do campeão. Ninguém conquista o título num único dia, numa única tarde. Não. Um título é todo sangue, todo suor e todo lágrimas de um campeonato inteiro.

(...) Olhem para trás. Da rodada inaugural até ontem, não houve time mais regular, mais constante, de uma batida mais harmoniosa. Mas foi engraçado: — por muito tempo, ninguém acreditou no Fluminense, ninguém. Um dia, Flávio veio de São Paulo. Era o ponta-de-lança mais esperado que um Moisés. Queríamos um goleador. E nunca mais se interrompeu a ascensão para o título.

E que formidável partida! Houve, durante 90 minutos, um suspense mortal. O Fluminense fez o primeiro gol e o Flamengo empatou. O Fluminense fez o segundo e o Flamengo mais uma vez empata. Duzentas mil pessoas atônitas morriam nas arquibancadas, gerais e cadeiras. E foi preciso que Flávio, o goleador do Fluminense, o goleador do campeonato, marcasse aquele que seria o gol da vitória, da doce e santa vitória. E o rubro-negro não empatou mais, nunca mais. Era a vitória, era o título.

(...) Pelo amor de Deus, não me venham dizer que, no segundo tempo, o Flamengo jogou com 10. O rubro-negro cresceu com a desvantagem numérica, lançou-se todo para a frente. Eram 10 fanáticos dispostos a vencer ou perecer. O Flamengo teve ontem um dos grandes momentos de sua história.

Mas, dizia eu no começo que a nossa humildade para aqui. Passamos toda a jornada com um passarinho em cada ombro e as duras e feias sandálias nos pés. Mas o Fluminense é o campeão. Erguendo-me das cinzas da humildade, anuncio: — "Vamos tratar do bi".

Trecho retirado da crônica "Chega de humildade".

Fonte: Globo Esporte