Jorge Jesus chegou ao Flamengo em junho do ano passado e se tornou referência de modernidade no futebol brasileiro. Mais do que os títulos, o Mister abalou as estruturas ao mudar a maneira como profissionais e torcedores enxergavam o jogo. A idolatria, claro, foi questão de tempo.
Engana-se, porém, quem pensa que esse intercâmbio Brasil-Portugal é criação de Jesus. Muito antes do treinador desembarcar na Gávea, um brasileiro causou impacto ainda maior em solo português.
Trata-se de Otto Glória.
Natural do Rio de Janeiro, o treinador iniciou a trajetória em Portugal em 1954, quando aceitou comandar o Benfica. Foram cinco anos em sua primeira passagem à frente do clube de Lisboa e que deixaram marcas na história.
A modalidade em Portugal nos anos 1950 era praticamente amadora. Com Otto Glória, isso começou a mudar. O brasileiro exigiu a profissionalização do departamento de futebol e implementou métodos que dariam frutos nas temporadas seguintes. O Benfica faturou três vezes a Taça de Portugal sob seu comando e deu início à ascensão que culminou com o bicampeonato da Champions League (1960-61 e 61-62), já sem o brasileiro.
"Otto Glória revolucionou a mentalidade do futebol português. O Lar do Jogador (uma espécie de concentração), por exemplo, era algo inovador. Com ele são consolidados os princípios do profissionalismo, com treinos muito mais rigorosos e com uma liderança disciplinadora, mas ao mesmo tempo com o afeto próprio dos brasileiros. Ele sabia equilibrar muito bem a disciplina e o afeto com os jogadores", relembrou António Simões, ex-meia do Benfica e seleção portuguesa, em uma entrevista ao jornal Diário de Notícias.
"Ele compensava a exigência com uma maior aproximação aos jogadores, criando esse compromisso de família que anos mais tarde vimos também com Luiz Felipe Scolari na seleção nacional", acrescentou.
Por falar em seleção, foi com Otto que Portugal teve campanha de destaque na Copa do Mundo de 1966. Com o treinador no banco e Eusébio em campo, a seleção lusa surpreendeu e terminou aquela edição na terceira posição - inclusive, eliminando o Brasil de Pelé e Garrincha na primeira fase do torneio.
O sucesso de Otto deu início a uma caçada intensa de clubes portugueses por jogadores brasileiros e que reflete até hoje. Um estudo publicado pelo CIES Football Observatory no dia 20 de abril mostrou que Portugal era, de longe, o principal destino de atletas que atuam no exterior.
Ao todo, Otto comandou quatro equipes do futebol português: Benfica (1954-59 e 1968-70), Belenenses (1959-61), Sporting (1961 e 1965-66) e Porto (1964-65).
Foi no Benfica que teve o maior sucesso e se tornou ídolo após aumentar substancialmente a galeria de troféus, com três títulos do Campeonato Português e cinco vezes campeão da Taça de Portugal.
Na seleção, além de comandar os lusos em 1966, também dirigiu o time entre 1982 e 1983.
O treinador morreu aos 69 anos em 1986. Seu último trabalho havia sido no Vasco, de volta ao Brasil, em 1983.