A cena que Inês Galvão conta como conheceu o marido parece tirada de um filme de comédia romântica. Em 1991, a famosa atriz da TV Globo não conhecia absolutamente nada de futebol e esbarrou sem querer em Gaúcho, grande ídolo do Flamengo à época.
Convidada para a festa de aniversário de um amigo dentista na discoteca Papagaio, no Rio de Janeiro, ela estava envolvida em um plano das amigas para ser apresentada a um rapaz, que não era o atacante rubro-negro.
“O cara que elas me apresentaram era muito chato e eu queria me livrar dele. Fui para a pista de dança e tomei um empurrão. Eu olhei para trás, e era um homem enorme. Era o Gaúcho (risos). Ele entrou com peito estufado como se fosse o Apollo [deus grego]. Eu pensei: ‘Que cara bobo’. Ele foi passando como se fosse um rei”, disse Inês, ao ESPN.com.br .
Inês olhou com muita raiva para o desconhecido, que foi conversar com o dono da festa. Em seguida, a atriz sentou-se.
“O Gaúcho passou uma hora e uma renca de mulheres correndo e gritando atrás dele. Ele estava procurando alguma coisa e pensei: ‘Ele está me procurando’. Queria fugir do outro cara e fui pegar a minha bolsa, que estava guardada perto do banheiro”.
Quando Inês se preparava para ir embora, Gaúcho resolveu abordá-la e a convidou para tomar um vinho. Ela disse que ia ao banheiro e tentou escapar por outra porta. O problema é que o jogador do Flamengo fez uma marcação cerrada em cima da moça.
“Ele me disse: ‘Vai aonde?' (risos)". A gente não tinha o que conversar, e eu perguntei: "Qual o seu nome?’ Ele respondeu: ‘Ué, Gaúcho!’. Respondi: ‘Não. Querido. Gaúcho é apelido. Tenho um monte de amigos do Rio Grande do Sul que são conhecidos assim. Você tem que ter um nome’. Ele respondeu: ‘Luís Carlos, mas todo mundo no meu meio me conhece como Gaúcho’”.
Inês jura que por causa do apelido e do porte físico pensou que o atacante trabalhasse com açougue ou era dono de churrascaria.
“Eu perguntei qual era o meio dele, que estufou o peito para responder: ‘Eu jogo futebol’ Eu imaginei que ele fosse do Madureira ou Bangu. Ele não acreditou quando quis saber em qual time. O Gaúcho disse: ‘Eu jogo no Flamengo!’ Eu tava nem aí (risos). Respondi: ‘Você é o Renato?’ Ele respondeu: ‘Não, eu sou o Gaúcho. O Renato é meu amigo’”, afirmou.
Inês desconfiou das intenções do atacante e tratou logo de mandar um recado bem direto ao pretendente.
“Eu disse: ‘Se você está achando que vai me pegar, não vai’. Ele respondeu: ‘Não, eu nem pensei nisso’. Perguntei se ele queria ser meu amigo e ele aceitou. Durante três meses não rolou nada. Ele ia me buscar nos ensaios da peça que estava fazendo e eu dizia que não iria me envolver com ele até estar afim. Depois de três meses, a gente começou a namorar e ficamos 26 anos juntos!”, contou Inês.
Coberto de batom
Um dos jogadores mais famosos do Brasil à época, Gaúcho gostava de cultivar a fama de galã fora dos campos.
“Ele veio com uma conversa comigo: ‘Eu apronto todas. Eu sou da noite, sou isso e aquilo’. Eu disse: ‘Você não frequentando os mesmos lugares e não pegando atriz e figurante... Tem muita mulher no Rio de Janeiro. O que os olhos não veem o coração não sente. O que você faz longe de mim... Eu o conheci assim, e aceitei me relacionar e ia querer mudá-lo? Não tinha sentido”, explicou Inês.
Uma das situações mais inusitadas que Inês viveu ao lado de Gaúcho foi na comemoração de um título pelo Flamengo. O atacante resolveu levar a namorada na quadra da Salgueiro, contrariando a vontade do amigo Renato Gaúcho.
“Quando eu cheguei lá, as mulheres avançavam e não queria saber se eu estava de mãos dadas com ele. Uma hora ele foi com o Renato até o palco levar a taça e quando voltou era um batom (risos). Estava todo marcado porque as mulheres o agarravam”, recordou.
Inês diz que Gaúcho demorou alguns anos até mudar de comportamento.
“Ele aprontou o que quis e viveu a vida como quis, mas nunca me expôs. Ele era muito discreto nas bagunças dele (risos). Eu queria saber o que ele era comigo. Com o passar do tempo, ele foi parando e amadurecendo”, afirmou.
Contrariando qualquer expectativa do começo, o casal teve três filhos e permaneceu juntos - com muito amor - até a morte de Gaúcho
Carreira de Gaúcho
Nascido em Canoas-RS, Gaúcho se mudou aos dez anos para Goiânia e começou a carreira na base do Flamengo. Fez apenas dois jogos no profissional e passou por XV de Piracicaba, Grêmio, Verdy Kawasaki e Santo André, sendo destaque do Paulistão de 1987.
Em seguida, foi ao Palmeiras, no qual também se destacou no período da fila de títulos, com 31 gols em 79 jogos. O mais marcante deles foi contra o Flamengo pela Copa União de 88, quando o goleiro Zetti quebrou a perna em uma dividida com Bebeto no final do segundo tempo.
Como o time alviverde já havia feito todas as substituições permitidas na época, Gaúcho precisou ir para o gol. Ele levou o empate de Bebeto, mas na decisão por pênaltis – que valia um ponto extra – o atacante brilhou ao defender as cobranças de Aldair e Zinho.
Após o Paulista de 1989, ele voltou ao Flamengo, onde virou grande ídolo da torcida ao vencer a Copa do Brasil de 1990, o Carioca de 1991 e o Brasileirão de 92. Ele disputou 198 jogos e marcou 98 gols pelo time da Gávea.
Em 1993, o atacante foi vendido para o Lecce, da Itália, mas ficou apenas seis meses.
"A torcida não deixava a gente sair, e ficávamos o dia todo no apartamento. Algumas vezes, para passar o tempo, a gente ficava apostando qualquer coisa. Até jogo de beisebol na televisão, que o Gaúcho adorava, mas eu não entendia nada", lembra Inês.
Gaúcho voltou ao Brasil no ano seguinte para jogar no Atlético-MG no time que ficou conhecido como “Selegalo”. A equipe com nomes famosos como Renato Gaúcho, Neto, Éder Aleixo, Luiz Carlos Winck e Adílson Batista perdeu o Mineiro para o Cruzeiro e foi desfeita no Brasileiro.
"Olha a ideia do Atlético-MG? Não tinha como dar certo um time assim (risos)", afirmou.
Gaúcho ainda jogaria em 95 no Fluminense, que perdeu a semifinal do Brasileiro para o Santos. O atacante ainda passou por Ponte Preta e Anápolis, antes de pendurar as chuteiras, em 1996.
"Um time de São Paulo queria contratá-lo e ele iria negociar, mas quando foi para Cuiabá passar um tempo resolveu aposentar-se e morarmos por lá. Eu achei ótimo porque amei Cuiabá e fizemos muitos amigos. Eu tinha uma loja de confecção e vendi tudo, só fiquei com as minhas máquinas de costura".
"Eu mantive a minha carreira como atriz até nos mudarmos. Muita gente acha que parei atuar por causa do Gaúcho, mas foi ao contrário. Ele sempre gostou e incentivou a minha carreira", contou.
Depois, Gaúcho montou uma escolinha de futebol e fundou o Cuiabá Esporte Clube, que comandou até 2006.
"O time começou com o nome Mato Grosso e eles mudaram para Cuiabá. O clube já começou com o estigma de campeão. O Gaúcho era um visionário. A gente não tinha apoiador no começo, e depois passaram a aparecer os patrocinadores".
Ele ainda foi treinador de Mixto e Luverdense (2011).
Por volta de 2008, Gaúcho descobriu que tinha um câncer de próstata e voltou a morar no Rio de Janeiro no fim de 2014. Gaúcho faleceu em de 2016, aos 56 anos.
"Os torcedores do Flamengo ainda falam muito dele. Ele merece tudo isso porque foi um cara genial. É um carinho lindo, fico muito feliz. De vez em quando recebo mensagens, é o que mantém o Gaúcho vivo", finalizou.