O estádio vazio não ajudava a melhorar as sensações transmitidas por um campeonato cada vez menos atraente. Tampouco o comportamento dos jogadores no primeiro tempo ajudou. O time do Vasco carregou para o campo a mensagem que a decisão do clube transmitia, ao transferir o jogo de estádio: era preciso levar a partida para outro terreno, e os vascaínos escolheram a fricção e o duelo físico. O Flamengo aceitou a pilha e o futebol sofreu. Após 45 minutos de um Vasco melhor, a mudança de cara na partida permitiu que aflorasse um aspecto interessante de um dos personagens mais fascinantes do momento: Filipe Luís.
Quando se fala nas virtudes do seu trabalho, é comum exaltar a pressão ofensiva, a disposição para atacar, a linha defensiva adiantada assumindo riscos. Mas o papel dos zagueiros como os primeiros responsáveis pelas jogadas ofensivas do time é destacável.
Quem assistir novamente ao gol do jogo, provavelmente verá apenas Plata oferecendo a Bruno Henrique a bola que resultará no belo chute a gol. Mas cabe refletir por que Plata estava livre e por que — ou como — a bola chegou até ele. O segredo reside na diferença entre passe certo e passe bom.
O plano defensivo do Vasco, em especial quando pressionava a saída de bola do Flamengo, incluía encaixes individuais pelo campo. E os rubro-negros tiveram dificuldades de encontrar saídas, zagueiros cometeram erros técnicos e, muitas vezes, forçaram bolas longas. No segundo tempo, a bola ficou nos pés deles por mais tempo, houve mais paciência. E havia uma razão.
No lance do gol, Léo Pereira conseguiu se tornar o homem livre na saída de bola. Pelo campo, todos os demais jogadores estavam marcados. Então Léo Pereira foi conduzindo, até que um vascaíno fosse atraído. Quando isso ocorresse, por razões matemáticas, um companheiro teria ficado livre. Assim Hugo Moura decidiu acossar o zagueiro do Flamengo e largou Plata. Nas estatísticas, passes certos encontram um companheiro. Mas estes podem estar marcados, em situações desvantajosas. Os passes verdadeiramente bons têm um critério, um propósito, geram vantagens.
Não é um acaso. No primeiro encontro entre Vasco e Flamengo no Estadual, coube a Danilo ser o homem da saída de bola. Ele ficou com ela o tempo necessário até atrair a marcação dos volantes do Vasco e achar Arrascaeta livre, com muito espaço entre volantes e zagueiros rivais. Assim surgiu o lance do pênalti em Plata, abrindo o marcador.
Desde que assumiu o time, Filipe Luís parece dar especial atenção ao papel dos zagueiros na construção, o que ajuda a explicar que, rapidamente, Léo Ortiz tenha se tornado presença constante nos jogos mais importantes. Por esta mesma lógica, não surpreende que Danilo ganhe papel de destaque.
Vale voltar ao primeiro grande desafio de Filipe Luís no cargo, a final da Copa do Brasil em novembro passado. O Atlético-MG veio ao Maracanã com uma marcação individual por todo o campo. E a resistência foi quebrada justamente com a mesma fórmula: um zagueiro técnico, paciente com a bola, e um time disposto a atrair a pressão para atacar em seguida. Na ocasião, o efeito dominó ficou claro: Léo Ortiz atraiu Alan Franco, que marcava Gerson; Gerson ficou livre, até atrair Júnior Alonso, deixando a defesa em inferioridade. Wesley se livrou de Arana, seu marcador, e correu às costas de Júnior Alonso, iniciando o veloz ataque que resultou no gol de Arrascaeta.
Não é novidade, no futebol atual, que zagueiros precisem ser os primeiros construtores. O difícil é fazer isso com um propósito, gerar vantagens. Este é um dos traços do Flamengo de Filipe Luís.
A MENSAGEM
O Vasco exerceu um direito que era dele ao transferir o clássico para o Nilton Santos. E, tecnicamente, até fazia sentido a decisão de tirar o Flamengo de sua zona de conforto. Por outro lado, ficou claro o aspecto antieconômico da decisão para um clube em dificuldades. Além disso, a medida comunica algo desconfortável: de que a única forma para um clube gigante equilibrar um clássico com o rival é levá-lo para um campo menos familiar.
A GOLEADA
Há ponderações a fazer diante do conforto com que o Fluminense bateu o Volta Redonda. O tricolor ganhou um gol de presente muito cedo, e o rival partiu para um jogo aberto, franco, com sua defesa muito mal protegida. Dito isso, o time teve bons momentos no ataque. Individualmente, Arias reafirmou sua imensa capacidade e Canobbio voltou a mostrar que sua agressividade com e sem bola, defendendo e atacando a área, serão muito úteis.
O PRODÍGIO
Não é normal a forma como Estevão foi o princípio, meio e fim de tudo o que aconteceu de melhor na vitória do Palmeiras sobre o São Bernardo. Suas jogadas refletem uma quantidade de recursos pouco habitual para um jovem de 17 anos. Controle, drible, chute, e até o entendimento do jogo que lhe permitiu, no segundo gol, procurar companheiros na área e, na falta deles, tirar da cartola uma finalização improvável.