Sem espaço adequado, Estádios do Rio ignoram lei de acessibilidade a pessoas com TEA

Falta de inclusão. Ausência de salas sensoriais afasta dos estádios do Rio de Janeiro com pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Pela lei, sancionada pelo prefeito Eduardo Paes em 3 de julho de 2023, todos os estádios, ginásios e arenas esportivas do Rio, com capacidade superior a 5 mil pessoas, são obrigados a criar salas sensoriais que ajudem o autista a se ambientar ao local. Desde a aprovação do projeto, os estádios tinham 180 dias para se adaptar, mas, até hoje, continuam sem cumprir o decreto.

Quase quatro meses após o fim do prazo, São Januário, estádio do Vasco, foi o primeiro a reservar um camarote para pessoas autistas. Mas o ambiente, inicialmente disponível na partida contra o Grêmio, no dia 14 deste mês, não está dentro do que foi estabelecido pela Prefeitura. Segundo Vanessa de Almeida, representante do movimento Autistas da Colina, o espaço foi cedido de forma provisória até que as salas sensoriais sejam construídas. Ela enfatiza que há um projeto do Vasco em elaboração e que este é um pontapé inicial para que os outros estádios cumpram a lei.

— É um grande passo. Eu, como mãe, sinto o que as outras famílias sentem porque eu consigo vir com os meus filhos, mas tem famílias que vêm e com 15 minutos têm que ir embora por conta das bombas. A gente tem que conscientizar a torcida a não soltar bomba na arquibancada, não apenas pela penalidade legal, mas é porque isso machuca as crianças. A questão do som, eles têm uma sensibilidade auditiva muito grande, a questão de jogar cerveja pra comemorar, bate na pele, machuca eles, é como se você tivesse jogando uma água quente.

Torcedores pedem que salas sensoriais criadas para torcedores com TEA seja disponibilizada nos estádios do Rio de Janeiro, como manda a lei 7.973 — Foto: Felippe Santos

De acordo com o projeto de lei 7.973, a área deve ser protegida para diminuir o barulho da torcida, além de funcionar como um refúgio das luzes e das aglomerações e ajudar a distrair e acalmar quando necessário. A terapeuta ocupacional infantil, Sofia Régis, explica que o ideal seriam salas com itens propícios para ajudar a criança com autismo: balanços, almofadões, lycra, cobertor de peso, piscina de bolinhas e abafadores. Tudo que possa contribuir para os acomodar sensorialmente.

— O estádio de futebol é um ambiente onde é muito rico em sensações. E essas sensações incomodam muito essas crianças. Por isso é tão importante uma sala que possa oferecer essa regulação sensorial.

Em abril, mês da conscientização sobre o autismo, o tricolor Frederico, de sete anos, com autismo nível suporte 2, ainda não conseguiu encontrar no Maracanã um espaço acessível. De acordo com a mãe dele, Monike Lourinho, sempre que Fred pode ir ao estádio é uma sensação única, e ele não esconde a felicidade de estar ali, mas quando soltam uma bomba “o brilho some”.

— Ele se sente pertencido ali, ele fala cara, aqui é o meu lugar, eu gosto de estar aqui. Ele se sente bem. É uma vergonha, ainda mais num estádio como esse, o Maracanã, um dos maiores estádios do mundo, não ter esse espaço destinado pras pessoas autistas. O ideal seria um espaço adaptado para as pessoas autistas assistirem ao jogo com dignidade e respeito.

Quem também sofre com a falta de acessibilidade no Maracanã é o Josélio Filho, torcedor do Flamengo, que, enquanto os pais viajaram da Paraíba para ver o título do campeonato carioca, precisou ficar em casa por causa da ausência de estrutura do estádio. Josélio Cabral, pai do flamenguista, conta que devido ao tumulto e ao barulho de um jogo de decisão, preferiu não levar o filho, mas afirma que pretende voltar com ele em uma partida mais tranquila.

— A sensação de ser campeão ao vivo só sabe quem está presente. Não adianta você ver pela televisão, não adianta você contar. Então é frustrante você, num país como o nosso, não ter condições de ele usufruir dessa sensação.

Mas não é só no Maracanã, administrado pela dupla Flamengo e Fluminense, e em São Januário que falta acolhimento. O Nilton Santos, estádio do Botafogo, entra no mesmo pacote. Tanto Vanessa quanto Monike relatam que quando o tema é acessibilidade, muitos se limitam a pensar apenas nas deficiências físicas, mas se esquecem das que estão ocultas. Para ambas as mães, a inclusão também deve proporcionar ao autista um ambiente que tenha menos estímulo sensorial.

— É importante para as políticas públicas investirem mais na inclusão das deficiências invisíveis. A gente pode ver muitas famílias perdendo os momentos importantes que outras famílias típicas não perdem trazendo suas famílias para os jogos.

A mãe de Frederico chama a atenção para o atraso dos estádios do Rio em comparação aos de outras regiões do país. Em São Paulo, dentre os estádios dos clubes mais tradicionais, apenas a Vila Belmiro, do Santos, ainda não tem um espaço especializado. Mas a Neo Química Arena (Corinthians), o Morumbis (São Paulo) e o Allianz Parque (Palmeiras) já contam com salas sensoriais. O Corinthians foi o primeiro no Estado a criar um ambiente adaptado para autistas, em 2019. Enquanto isso, os projetos no Rio de Janeiro nem sequer saíram do papel.

— Todos os times já estão fazendo essa mobilização de terem seus espaços próprios. Em São Paulo já tem, no Sul, no Nordeste também. E aqui no Rio de Janeiro a gente vê esse atraso na falta de acessibilidade. E a gente não vê parte do poder público olhando para isso. A gente vê um jogando de um lado para o outro. É muito importante ter esse olhar, esse espaço no Maracanã. E a gente tá em 2024, não deveríamos nem estar tendo esse tipo de debate.

Para este mês de conscientização sobre o autismo, Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco da Gama fizeram ações sociais voltadas a inclusão de crianças com o Transtorno do Espectro Autista no esporte. Os clubes já fazem projetos ao longos dos anos voltados ao público com TEA, mas a ausência espaços sensoriais nos estádios ainda é um empecilho para a inclusão de pessoas atípicas.

Procurados por nossa reportagem, Flamengo e Fluminense, responsáveis por gerir o consórcio Maracanã, não se pronunciaram. Por sua vez, o Consórcio Maracanã respondeu que há um estudo sendo feito para a criação das sala sensoriais. Veja a nota:

"O Consórcio Maracanã está mapeando um local estratégico dentro do estádio para implementar o espaço sensorial que atenderá torcedores com Transtorno do Espectro Autista (TEA), conforme previsto na Lei Municipal nº 7.973. A sala será construída em breve, após o resultado final da licitação do Maracanã. Enquanto isso, vale salientar que os clubes gestores (Flamengo e Fluminense) já realizam ações paralelas com torcedores autistas em seus respectivos jogos no estádio."

"O Botafogo tem um estudo em andamento para criação de uma sala sensorial e lugares devidamente sinalizados no Estádio Nilton Santos. Em breve, essas ações serão implementadas e divulgadas. Além disso, o Botafogo foi um dos primeiros a ter torcidas organizadas para pessoas com TEA, Os Autistas Botafoguenses e a Fogo Serrano, e têm as mesmas como parceiras importantes na busca por um ambiente ainda mais inclusivo em jogos do Clube."

"Ainda não fomos notificados, mas nos antecipamos. Como mantemos contato constante com familiares e torcedores autistas, fomos informados num desses encontros sobre a Lei Municipal e desde então passamos a estudar formas de atender essa legislação. Estamos preparando uma sala na região dos camarotes para receber torcedores autistas. O espaço está sendo preparado em parceria com o grupo "Autistas da Colina" (foi inaugurado na semana passada).

Também entramos em contato com o Ministério Público do Rio de Janeiro para entendermos o porquê de não haver sanções para os administradores dos estádios, mas não obtivemos resposta. Já a Prefeitura do Rio de Janeiro respondeu que, com a promulgação da lei 8.276, irá reavaliar a aplicação da lei 7.973, que torna obrigatória a criação desses espaços sensoriais.

"A Prefeitura do Rio, frente à promulgação da lei 8.276, de 3 de abril de 2024, publicada no Diário Oficial desta quinta-feira (05/04), vai reavaliar a aplicação da lei 7.973 em conjunto com a nova lei, uma vez que ambas tratam de temas similares."

Fonte: Globo Esporte