Diálogo árbitro-VAR em Itaquera é um desastre e mostra problema muito maior

O pênalti não marcado em Itaquera, quarta, deu pano para manga. Brasileiro gosta mesmo é desse tipo de assunto. Falar sobre o jogo, e o jogo foi legal, teve nuances táticas interessantes, não dá Ibope. O que o povo gosta é da teoria da conspiração, é de encontrar culpados. Então um lance com o qual não se deveria gastar nem 5 minutos vira A coisa mais importante da primeira final da Copa do Brasil.

Não se deveria gastar nem 5 minutos pelo simples fato de não ter sido pênalti. E nem preciso explicar muito, a CBF já explicou. O movimento rápido e inesperado de Yuri Alberto, saindo da bola, faz com ela bata no braço de Léo Pereira, que não estava no lance para bloquear nada e, sim, em posicionamento de marcação e combate. É quase um "não debate".

Por que quase?

Porque as arbitragens brasileiras são ruins. E os clubes são todos - eu disse todos - cúmplices dessa situação. Nunca moveram uma palha em direção à profissionalização e uniformização das arbitragens e, no fundo, no fundo, gostam de ter um álibi em mãos para colocar a culpa em outro pelo fracasso esportivo. É uma muletinha show de bola.

O que chamou a atenção no lance de quarta é que o árbitro de vídeo, Rodrigo D'Alonso Ferreira, disse ao de campo, Bráulio da Silva Machado, que a bola havia tocado na barriga de Léo Pereira antes de ir ao braço. É muito difícil ver o toque, mas é uma ilusão de ótica possível. Só mesmo Léo Pereira pode dizer se a bola tocou em outra parte do corpo antes de ir ao braço. Não que isso faça diferença! Não é pênalti tocando ou não na barriga. Mas o veredito do VAR foi este.

O que me chamou a atenção, no entanto, não foi essa parte do diálogo. E, sim, o início dele, que mostra como alguns árbitros brasileiros estão completamente equivocados na maneira de apitar. E explica por que convivemos com tantos erros.

Revejam o vídeo, se necessário . Percebam que a arbitragem do senhor Bráulio é meio que "narrada", conversada em tempo real. E, no momento da jogada, o juiz chama o VAR. O que é vai totalmente na contramão do princípio do VAR, da própria existência do árbitro de vídeo. "Não vi, não vi, não vi, acho que pegou no braço", grita Bráulio. "Pode checar, pegou no braço!".

Oras bolas! Se não viu, não apita e pronto. Os árbitros estão se esquecendo de básico princípio de apitar o jogo no campo e passam o tempo todo se escorando no VAR. É como se fosse uma arbitragem conjunta. Não é para ser assim, não pode ser assim. No melhor cenário, o árbitro de campo deveria passar 90 minutos sem nem trocar qualquer tipo de diálogo com o árbitro de vídeo! Se preciso for, que o árbitro de vídeo o chame para apontar algum erro grave.

Quem diz isso é a Fifa e quem diz isso é a própria CBF. Os "Princípios do VAR", segundo a entidade nacional, são constituídos por 11 itens. Um deles, o 4, diz:

"O árbitro sempre tomará sua decisão independentemente da existência dos VARs, ou seja, o árbitro não pode não tomar uma decisão , remetendo a situação ao VAR. Se o árbitro decidir não paralisar o jogo devido a uma possível ofensa, a decisão (de permitir a continuação do jogo) poderá ser revisada. Em raras ocasiões o árbitro pode consultar o VAR. Por exemplo, ao pedir para identificar o jogador que deve ser punido."

O negrito acima é deles. "O árbitro não pode não tomar uma decisão". O que fez Bráulio? "Não vi, não vi, talvez mão". O que ele fez foi não tomar a decisão. Foi remeter a situação ao VAR. Foi jogar para o outro a responsabilidade, que é dele. "Em raras ocasiões o árbitro pode consultar o VAR", diz o protocolo. Não parece ser a realidade.

É um tremendo erro conceitual. E que deve ter virado o padrão das arbitragens brasileiras. Nós estamos há cinco anos aqui falando: "Não é o árbitro que chama o VAR, é o VAR que chama o árbitro, caso veja algo escandalosamente errado". E a vida real é que o árbitro chama, sim, o VAR. Apita junto com o VAR. Se escora no VAR. Parou de apitar para esperar pelo VAR.

Se o VAR tivesse chamado, Bráulio teria marcado o pênalti. O VAR preocupou-se com o toque na barriga. E Bráulio em narrar o jogo e pedir ajuda. Nenhum dos dois verdadeiramente viu o que estava acontecendo em campo e que neste tipo de lance, tocando ou não na mão, o pênalti não deve ser marcado. Sobra a lupa, sobra a câmera lenta, sobra o "caça pênalti", sobre a minúcia com o que não importa e não tem a ver com o jogo. Falta o mais importante: interpretar o jogo.

Como a regra é esta, em cada partida vemos uma decisão diferente para lances iguais. Não há critério, há o julgamento de cada árbitro, de campo ou de vídeo. E aí as aberrações vão se amontoando. Como tivemos muitas nos últimos anos, por que não fazer estardalhaço por um lance como este, em final de campeonato? E assim segue a banda, tocando uma música de doer os ouvidos.

Imagem: Reprodução CBF

Fonte: Uol